quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

"Faíscas das britas e leite das pedras"


me demoro dias, esperando que aconteça
me escondo na fatalidade
e encaro a fome de vida
a minha
a nossa

porque me felinizo ao ouvir

a melodia noturna me toma
me escondo faltalmente atrás das nuvens
e em segundos, assim como o gato na lua
dispersa-se

qualquer ruído me atenta
prefiro o pulo à pedir licença

me assusto
de quantas vivalmas precisarão a mais, eles?
da minha!

socorro-me as lâminas
que de papelão que são
iluminam-me
assim como a luz da lua
no gato.

acelero, me freio e breco
afronto-me
afronte-se
me solidarizo comigo
solidarizemo-nos

houve abandono
de outros, mas não de mim mesmo

de grão em grão
a galinha rompe a casca
do ovo


*

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

sem título



eu não consigo, agora, escrever feito poesia
escrevo agora como um projeto inacabado
que aos poucos adota e adota novamente e depois mais uma vez, já percebeu que a vida é um adotar constante?
adota-se uma vida, e vive-se.
pois não vive-se mais pela vida... porque a vida cai aos pedaços ao nosso lado, e
as pessoas caem
nosso pais caem
e nossos heróis estão todos mortos
sou um eterno quase
assim mesmo
quase
amadureço
no fundo, somos eternas crianças
algumas não souberam amadurecer
outras amadurecem,
ou melhor,
outras quase que amadurecem rápido demais
mas mesmos estes, ainda estão ligados e formados
pelo que já passou de si mesmo
o passado, o peso do passado de hoje
do que o passado representa hoje
seria o ontem?
vive-se no quase tudo tem nome
e é por isso que querem tanto enquadrar-se em algum quase!
mas morre-se todos os dias,
não se escolhe o quase para morrer
por mais que dividamos,
sempre ligeiramente sem saber
que aqueles que quase morreram
admitam "valorizar a vida"
os acidentes!
a vida é mesmo um acidente, nasce-se
por acidente

quando começo, em um pulo,
e alcanço logo um "quase justificar-me"

tudo aquilo que quase aconteceu
o quase-amor
a quase-viagem
o quase-sonho

e sabe que quase me vicio na dor?
...ela, minha companhia
agora estou sendo quase-piegas
também sou um quase-romântico.

e a raiva diária desconta-se em si mesmo
a raiva pelo silêncio
como seria se eu tivesse vencido o quase,
e quase tivesse ido embora
sem a minha segurança

mas eu sempre soube
agora acho que estou confuso
comigo mesmo
essas confusões que nos acometem
alguns passam incólume,
mas por pouco tempo
elas sempre voltam..
as memórias munidas todas de seus inúmeros "quase's"

pra quê tanto sofrimento?
muda-se o próprio destino
(agora o destino quase-existe)
há que sentir o peso daquilo que é considerado "responsabilidade"
era isso então?
existem tantas perguntas
somos quase todos repletos de interrogações
percebe-te, não te perguntaram nada

os vícios justificam-se
inúmeros vícios
tenho vício pelo prazer
há que se ter prazer também
acredito também que programa-se, como novelo de bicho da seda que aos poucos tece fio a fio - tira-nos os chumaços de algodão e logo vamos a tecer outros,
prazer digitalizado, alienado, virtual

a história musicada
trilha por trilha
músicas que nos levam a outro lugar
os músicos e poetas são tão mentirosos!
ilusórios.
e a arte passa mesmo a existir,
correto estivestes quando dissestes,
por tornar vivível a vida
por defrontarmo-nos diante dela.

agora senti a dor do corpo
do peso do corpo
sobre o corpo
todos somos sensíveis a nós mesmos
sensíveis ao próprio toque
e quem provavelmente quase não sentiu-se hoje
perdeu tempo sentindo o outro
sentir mais o outro que a si próprio também tem seu preço

se eu sempre soube como seria
se por todo sempre eu soube das existências dos quases e suas causalidades
hoje vou atrás de qual quase?
como aquele desenho que quase se terminou
aquele amanhecer que ficou começado no pedaço de pano da vida
ou aquela noite inacabada com o pincel ainda úmido do lado

(a cena: queima-se outro cigarro)
a felicidade como um outro quase
o amor como um quase
o "quase-amor"
a certeza de que
"o amor e a felicidade juntos, é quase um milagre!"

então nos deparamos diante do tão dito amor
hoje transformado em projeção de todos os "quase's"
o amor não se define -
e estremece entre

"a liberdade do objeto (o outro)
----------------------------------(o amor)
e a liberdade do sujeito (o eu)"


e emburrece diante de sua impossibilidade
agora ele deveria chamar-se então quase-amor

justifico agora a morte do outro
justifico a morte do sujeito
foi por uma falha: a confusão do objeto
o objeto torna-me e
confundo-lhe, o amor (me consola sua impossibilidade)
nossos, erros.


quinta-feira, 11 de novembro de 2010

sêca em mim




amanhã completaríamos dois anos, se estivessemos juntos.
me permita a arrogância de dizer que já sabia como seriam percorrer meses após minha partida
partida consentida.
mas não imaginava tamanha dor que lateja em peito meu agora
tá tudo aqui dentro ainda
era tão óbvio, mas eu imaginei que seria diferente
tamanha traição!
pela sensação de traição que deixaste em meu peito entreaberto
desde então estou desabitado, em hiatus
vazio


uma luz fraca ainda insiste em iluminar os vultos do passado
e faz sombra em paredes minhas
teu refúgio cavernoso ainda é iluminado
anseio a hora de que a escuridão chegue
já sinto sua aproximação
dolorosa sensação de viver sem ti

eu morei em seus olhos,
parecera que há anos procurava abrigo
mas fui expulso, tive que consentir minha saída
vaguei sozinho em busca de teto,
e era guiado pelos fios de teu cabelo
que fiz corda
estava escuro

são tantos arrependimentos
tão desesperadores
ainda ardo feito floresta seca
não houve mais chuva
água nenhuma
choro nenhum caiu do céu

muito de mim se eternizou naquele instante congelado
tarde no parque
em que teu retrato eu fiz
era essa imagem que eu gostaria de levar pra sempre comigo
e muito embora por vingança eu tenha abandonado em casa vossa
ainda relembro,
(e dentro de mim mais kilômetros quadrados queimam a cada reviver
que o cheiro da tua pele me traz)
assim, sem explicação me invade

não posso te extirpar de mim
não consigo
tenho de admitir
poupo-me deste porquê
já não procuro resposta alguma
triste descompasso
que sinto então em peito meu
assemelha-se tanto ao nosso fim
há tanto tempo anunciado!

só não vejo mais vida além-ti
mas não me trouxesses tudo
mas me invadistes,
feito onda que alcança canoa parada na areia
e a leva mar adentro
e dentro de mim, como há de haver outra vida?

apago a luz
a espera aflita,
finjo que pode-se morrer
e que com a morte tudo se acaba
quem sabe,
tudo aceso, queimando em mim
sem cessar jamais
as labaredas rasgam minhas terras
desde então improdutivas

invado-me
em desespero
tentativa inútil
de salvar ao menos um punhado
para que algum defeito
deste jardim que sou eu
ali floresça
e feneça.

*
Âmbar - Adriana Calcanhotto
"tá tudo aceso em mim
tá tudo assim, tão claro!
tá tudo brilhando em mim
tudo ligado,
como se eu fosse um morro iluminado
por um âmbar, elétrico
que vazasse nos prédios e banhasse a lagoa
até são conrado
e ganhasse as canoas,
aqui do outro lado.
tudo plugado
tudo me ardendo
tá tudo assim queimando em mim
como salva de fogos
desde que sim eu vim morar nos seus olhos"


*

terça-feira, 2 de novembro de 2010

(re)partir



artéria desinchada, corro em veias tuas
eu quero circular

a escala da cidade
me diverge de ti
embora o teu desejo
seja também como o meu

extravaso-te
e entro
sou o alvo dos olhos do mundo
me ressinto
me perseguem

como
do que me ofereces
pois ainda há fome
em mim
em ti
em nós

o espaço inflado
meio metro quadrado
meio quadrado
é meu

o caos reina
em ordem minha
minha miséria
está colada na sua

abaixo a cabeça, mas aguardo
ansioso para ergue-la
reconheço em mim
nossas ânsias
estão entrelaçadas
embora eu me ilumine todo
e tento.

eu consumo
e vivo,
espasmo muscular

enquanto ando pelas águas,
leve torpor

milhares de outros glóbulos
que me foram sonegados
pulsam
e por si só
são menos onerosos

as fibras musculares rompidas
a dois passos de mim

queridos vizinhos,
salvem-se se puderem
pois minha descoberta continua

dor lúcida
o iminente "só"

o que comemoras?
se em mesa tua
repousam as coisas
inanimadamente
animadas por vós?

há que se pagar um preço alto
por passar incólume às existências
facilmente sonegáveis

corpos que caem
e levantam-se

mais um dia na cidade
inegável solidão

partilhada!


domingo, 24 de outubro de 2010

amém

eu vivo das migalhas cristãs que caem do altar, como quando mentem que as bençãos serão derramadas diante de tanta tragédia e desgraça.
o seu deus, está longe de você, e você só o ama, por não amar-se.
o seu deus, é aquilo que você finge arrepender-se quando encontra em si. o seu deus é meramente projeção. e como toda projeção, meramente ilusória.
pega teu altar e teus frágeis discursos e permaneça em teu trono.
enquanto na senzala, cresço, e vivo só de raiva e teimosia.
obrigado pelos teus nãos, mas tenha consciência de tuas palavras.
temer a deus é temer-se a si próprio e sinto pena de ti, embora nunca tenhas pena de mim, ainda bem!
continue cuspindo pra fora, toda bobagem bíblica, saramago tinha razão quando dizia que aquele livro era um manual de maus costumes.
a mim, teu discurso sem pé nem cabeça, mais parece um vômito.
"deus nos dá aquilo que precisamos, nada mais"
que triste sois vós, com sua rasa noção de mundo!
eu, se fosse deus, ficaria furioso com tais palavras! como você sabe?
e todas as fomes que existem agora sem ter oportunidade de serem saciadas?
"é porque não precisam", dirias tu.
"enquanto continuar inventando deus, ele não existe!".
eu, continuo embaixo do altar, próximo ao inferno talvez, divido espaço com ácaros, no quarto que denuncia teu descaso com o que "deus te deu". talvez você precisasse mesmo de um espaço pra onde pudesse empilhar teus entulhos e teus lixos! enquanto sem tetos invadem edificios que "não cumprem função social". não é mesmo?
que todos como vós, dobrem a língua e comam a própria carne antes de se auto-proclamarem "cristãos".

domingo, 17 de outubro de 2010

cura



a ferida ainda se encontra aqui, aberta. percebe-se que, das extremidades ao núcleo, os processos naturais já se incumbiram de fazer sua parte. há uma espécie de crosta que fica depois que a lava do vulcão desce montanha abaixo. os rastros da mágoa e da dor.

jogo a responsabilidade sem me dar conta, pro tempo que há por vir. embora eu já tenha dito e redito que o passado e o futuro são também presente. o futuro especialmente repleto de faltas e ausências... acreditas ainda que serão repostas?

me atraso pelo meu astrológico desejo de dor e pela minha inabilidade natural com as perdas. abriu-se o baralho e como eu pude crer num futuro fadado às falsidades? em nossos jogos, os caminhos [para mim], os percursos [pra ti] e as tempestades. mas não acho que só eu viva feito alma solitária em cais abandonado. talvez você também. anote, pois estou admitindo aqui e agora o que eu jamais poderia dizer, eu que sempre soube do grito, do sangue, do fim, da inexistência do eterno. é que fui deus por uns instantes e decidi sobre o tempo.

eu já me despedi de alguém que não conhecia mais.
se fossemos tão bons quanto julgavamos ao, presunçosamente adivinhar o tempo, teríamos sabido a hora de cessar. a hora inevitável porém muito evitada de dizer: não!
o mesmo não que eu creio faltar-lhe mais que a mim.

ontem fui ao parque que carregou com perfume teu a atmosfera que se forma embaixo das copas de suas centenárias árvores. havia tanta vida! e tanta morte! até a rosa, se não arrancada, deixa marca de sua passagem no galho.
respirei fundo, pois a partir de agora, nossa visita será esquecida! eu sei que, as palavras são virtuais como meus sentimentos adormecidos que tento aos poucos, substituir.
sentei no banco que sentamos juntos. mas que pena eu ter fotografado! fotografia é microsegundo congelado.
tudo bem, aceito que aquele banco seja eterno.
mas as visitas que fiz à minha mente, ao andar por trilhas abertas por nós, agora serão vazias, esquecidas. amanhã mesmo voltarei ao parque, para que então, minha memória crie histórico e aos poucos, assisto você se afastando. como quem chegou atrasado e perdeu o bonde. aos poucos, o trem caminhará, e lentamente nossos olhares trilharão rumo à linha do horizonte.


Peito Vazio
(Cartola)

Nada consigo fazer
Quando a saudade aperta
Foge-me a inspiração
Sinto a alma deserta
Um vazio se faz em meu peito
E de fato eu sinto
Em meu peito um vazio
Me faltando as tuas carícias
As noites são longas
E eu sinto mais frio.
Procuro afogar no álcool
A tua lembrança
Mas noto que é ridícula
A minha vingança
Vou seguir os conselhos
De amigos
E garanto que não beberei
Nunca mais
E com o tempo
Essa imensa saudade que sinto
Se esvai

*

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

"agudo amor - lento desmaio"

hoje eu me senti como naquele dia em que eu me senti a complitude dentro de seu próprio paradoxo.
...lembra? quando a brisa, de início, chocou-se contra meu rosto... ao fundo a cidade como pintura real demais para ser arte, me pareceu que sentia diferente. mas que instante depois, no intervalo de tempo milimétrico entre um segundo e um de seus micro-segundos era diferente. talvez pelo gosto do cigarro na boca vazia. não passo fome, ela seria a pior dor para mim.
assim como rapidamente o tempo, ora benigno aproxima-se do que pode haver de mais maligno em si próprio também me ocorrem tais impressões. como sentimentos que invadem de maneira atroz meu cais, varrendo tudo que, sofregamente, se mantinha em pé já não mais por esforços físicos. assim ele me invadiu, e, como quem envelhece em segundos, depois da onda que bate na areia da praia apagando os vestígios na areia, estava de volta a mim mesmo.
sou múltiplo e isso assusta. sou o traído, o menino vadio, "sou homem, sou bicho, sou uma... mulher". também esteve aqui aquele que se apaixona pelas flores e pelos ventos, doce perfume que tem os braços da rainha da mata, das tempestades - meu verdadeiro caminho. lamentou-se um outro de tempos que vieram rapido demais, sem aviso. houve aquele que buscasse consolo, abrigo... houve aquele que não aceitou. não perdoou. essa liberdade que não sei se sei usar. e, se tem utilidade, que também varra os rancores antigos, não para que novos tenham espaço. ao menos não serei bom anfitrião se de repente eles chegassem sem avisar. também concordo com quem um dia me disse, que é o fim da civilização visitas repentinas.
embora eu não me preocupe muito com o que acham de mim, aqui quem vos fala é quem tem arrogância, simplesmente por ter conhecimento. e por saber que há mais, e querer seguir em frente sem pedir informações. não sei se confio. preferiu tentar sozinho... por se achar esboço inacabado. muito embora o peso tenha mostrado suas garras sobre o joelho que já não se articula como antes. não sou velho, também. estou de volta.
incomum? por que?
então aceito, e me vejo perdido diante de milhões de pessoas. mas ainda sei olhar para a paisagem, reconhecer algumas espécies, muito embora eu tenha fechado os olhos diante da miséria que se exterioriza de mim. preferi não pensar muito nisso, pensei mais em mim. agora ando sabendo, que apoio existe depois da tragédia: tenho sorte, mas não sei usar. não olho somente o que não tenho para que, amanhã quem sabe, transforme-se em hoje e que eu possa chamar então agora de "antes". o passado nunca foi tão presente e tão distante ao mesmo tempo.
e o futuro que aguardo... o sertão que me habita, união - fruto da explosão molecular, de partículas de areia uma bem junto da outra, por mais ínfimo espaço entre as duas, é uma espera enorme!
hoje também quis voltar pra casa. a casa que durante anos neguei, e nego até hoje um dia ter negado. é o que se pode aguentar e o que se poder também, ter. não me foi cruz. foi fruto de pequenas e grandes obras inacabadas. como esqueletos gigantes da metrópole que, mais cedo ou mais tarde, terão suas paredes quebradas, e mesmo sem luz, habitarão famílias que não possuem teto. dentro de mim, estas famílias se apropriaram do espaço, sentimento agudo que clama por abrigo, proteção! há de haver esperança: que restituam-lhes luz e água. não se pode esquecer também do esgoto.
não me sou estrangeiro simplesmente por faltar-me consolo. sou também tudo o que me falta. sou minha sede e meu hálito; rosto marcado recentemente, sangue fresco, mãos aveludadas. sou meus medos.
que saudades de quando morei fora de mim. sinto mais falta por não conseguir parar de crescer... e doer. naquele tempo, minha dor era carregada como quem é arrastado por anos. no devaneio de mim mesmo, onde o medo era motivo de choro. ainda hoje me é, dor de não entender. dor de saber e sentir, mesmo quando se prevê o futuro, deslizar sobre ele é realmente como estar com a cabeça de fora da janela de um vagão ligeiro, cabelos soltos, vento frio no rosto!
saudades de minha mãe.
agora gostaria de poder ligar a cada risco atravessado. abuso das possibilidades. o que me é mínimo não lhe é, eis aí a solidão.
quem lhe escreve é o ferido. não quero reclamar de tudo, espero que o mal que arrasou passe e que não mais ninguém sofra e caia. que a nuvem negra passe e leve... me leve.
sorrio e choro. também vejo-me trilhar caminhos: eis minha sina - caminhar.
largo dias, a mercê de mantimentos estrangeiros, que caem do céu. apesar do sangue, que ao menos os ventos soprem ao meu favor, que a caixa caia próxima de meu acampamento.
me iludo em tardes prazerosas, de muito riso e completa paixão, mas não suporto por muito tempo. o caos é tecido de malha esquemática, desenhada pela Ordem.
esse eu, é tão vasto e lindo! imagino-me longe sempre em busca do desconhecido. e sou traído pelo severamente programado, a que chamo "conhecido", mas que não houve tempo de percorre-lo totalmente e depois, 'conhecer' me soa mais próximo do desconhecido do que nunca. não aceito que seja diferente comigo, mas entendo minha diferença e acabo me acostumando com a idéia.
sou um canteiro de obras barulhento e que incomoda a mim e a meus vizinhos. me tira o sono. de repente estou diante de uma grande estrutura concreta, cinza, tentando impregnar-lhe de vida, tão como quando vi tuas cabanas debaixo do viaduto.
- eu só tenho um cigarro, se você fumar.
- eu também quis ter dinheiro para sua cerveja, ângela, me perdoe. ângela é artista de rua solitária e movimentada. quer uma troca, nada me subtraiu.
comprei por dois reais, outro dia, um pequeno diário veloz já escrito por artista de rua. mas calma, não o comprei por pena. tudo bem, confesso que me emprestaram metade, mas pela vitória com gosto de fracasso. pelo esboço que inacabado, foi impresso em preto e branco com alguns desenhos ordenadamente dispostos entre fôrmas, que aqui intitulo "palavras".
sou meu projeto de amanhã, que tento colocar em prática para que eu não tenha motivos de, no dia seguinte, me cobrar por não ter feito. assim como quando me culpo pelo arroz queimado! mas eu sabia que não caberiam todos no mesmo espaço. inflam e dobram, invadem, transbordam, caem.
sou o responsável e o traído.
os móveis que sonho possuir. sou o apegado à matéria. (a)traído pelo palpável, universo dos toques, acordado com choque intenso. sou também o acidente.
eu sou também o que ficou pra trás, estive com pressa pelas trilhas na mata densa, onde me assemelho e me explode o mundo sobre-natural; sou uma cadeia de explosões biológicas e químicas, tão complexo quanto a física mecânica, algo misterioso aos meus olhos.
estive anestesiado e minhas pernas voltaram mais pesadas, creio eu. encontro refúgio nos prazeres, de onde outrora pensei eu nenhum dia ter saído. aceito os prazeres mesmo sem esforço, sabendo que algo na próxima esquina é meu de direito e que por te-lo em minha posse, talvez não me seja propriedade. sou potência. sou os livros que li e os que comecei e não terminei. alguns eu não termino para que não acabem nunca em mim.
agora escrevo "eu sou" não mais como pronome de caso reto, nem mesmo em forma de ítens confusos como pode parecer. "eu sou" é pra mim simplesmente o "é".
e assim me despeço das palavras: não faço noção de seu manuseio. pego entre as mãos de maneira primária, como quem descobre fora de si, um corpo inteiro. como quem estranha a sensação de estar sobre rodas que andam independentes de sua vontade.
me recuso a matar-me, meu coração é artigo de luxo que resguardo, mas que vive mais fora que dentro de seu invólucro de acrílico. redoma vazia, coração exposto e vivo.
quero mergulhar no que tortuosamente eu um dia sonhei, embora eu corra riscos de perder novamente a partida do sobre-rodas. talvez eu consiga fazer com que o verdadeiro responsável pare no próximo ponto e que, como guia, me leve de encontro ao próximo porto.
que eu desembarque em paz e que ela me visite as vezes, como agora entrou, me despiu e encantou-me até a cama. que ninguém passe frio nessa noite. ao menos essa noite!

Milkman
(Cocorosie)

My brother
My only kin
I'm lost in tears in the mirror again

Lord knows I have no conscience
But I'll delve into my mind
Where your voice is still a maze

Lord knows I still need you
But you're far away
Lost in some playground
In Disneyland

Take me with you
We'll play till the end
And fall hard
In the face of the earth

My Brother
My long lost friend
We cut our hands
To have more skin

All I found
Once I left this land
Is the desolation of humankind

Follow me
Will you wind this tape back and
I'll be looking for you around the next bend

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

EXPLOSÃO OU O LIVRO DO BATISMO*



escreveu um amigo-amante em sete de outubro de 2010, eternizando-se em minha vida!

"*AUTO-RETRATO, SEGUNDA QUINZENA DO MES DE OUTUBRO DE 2010
ODIADO DIARIO
AS PESSOAS SÃO AQUILO QUE ELAS VIVERAM OU AQUILO QUE ELAS SOFRERAM.
SIM HÁ SOFRIMENTO SEM MESMO SENTIR DOR.
SÃO CADA DETALHE EXPERIMENTADO, DESDE O PRIMEIRO INSTANTE EM QUE HÁ VIDA NO ÚTERO.
ESTA VIDA É VOCÊ!
COMO APRENDE A ESPERAR A VIDA?
DEVE IR SE DESPRENDENDO DE SI MESMO, DEIXANDO PRA TRÁS TUDO O QUE VOCÊ TÊM.
ISSO É TÃO DIFICIL SABE? POIS AS COISAS QUE VOCÊ ADQUIRE AO LONGO DA VIDA, ACABAM POSSUINDO VOCÊ.
TUDO É MATÉRIA E UMA QUESTÃO DE POSE/POSSE.
VOCÊ É SEU CARRO, SUAS JÓIAS, SEU LAPTOP, SEU APÊ, SUAS PEÇAS DE DESIGNER, SUAS ROUPAS DE GRIFE E ATÉ SUA BARRIGA TANQUINHO.
ESTA VIDA É VOCÊ!
E TAMBÉM TUDO O QUE VOCÊ É...ONDE FICA?
DEVE SIM, SER DEIXADO PRA TRÁS, DE MANEIRA TAL QUE NADA DESEJARÁ, A NÃO SER A TENSÃO SEM NENHUMA INTENÇÃO.
É A LIBERAÇÃO DE SI MESMO OU O DEVIDO NASCIMENTO.
SÓ ASSIM CONSEGUI ME LIBERTAR E GRITEI DESESPERADAMENTE (MESMO COM ARES INTRIGADOS DE BOCEJOS -MOMENTO EXPLOSÃO): "AI QUE PREGUIÇA'"

*
saudades!

sábado, 4 de setembro de 2010

"voltar quase sempre é partir para um outro lugar"

hoje eu me lembro exatamente de como fora o dia em que, num soluço libertador, de lágrimas fartas e coração pulsante, eu chorei.
e foi um choro certo, firme. como uma criança que pela primeira vez perde o fôlego ao burlar as regras e, pulando de banco em banco, tropeça e cai.
foi choro de criança que, nunca antes havia experimentado as borboletas na barriga! o calafrio que sobe feito rápido feito bala e envolve...tudo pára à sua volta. só se escuta o barulho do tombo.
a mesma criança se levanta rapidamente! não seria justo alguém visualizar sua queda! imediatamente a criança sente algo que a esquenta e desce lentamente!
a calamidade se instaura: como ele vai contar aos outros?
é sangue!
sai correndo em direção ao banheiro, menino valente! joga água.
quando consegue enxergar a ferida, a cor da pele se esvai. empalidece!
outro redemoinho se instaura internamente, ele vai precisar de ajuda.

eu tenho a impressão que, toda vez que eu escutar aquela música, eu retornarei àquelas sensações de imediato!
um sentimento inquietante, em que tudo vinha abaixo sobre minha cabeça.
era nossa estória curta, que um dia acreditamos ser longínqua.
este mesmo menino agora escreve, indignado com nossa morte.
em uma tarde, simplesmente resolve-se dizer NÃO.
e o preço do NÃO é altíssimo!
embora o não edifique, enquanto o sim é permissivo demais, custa muito caro amadurecer.
eu agora consigo compreender-te, em todos os teus destruidores sim's envoltos em pele de medo, sempre com muita pompa! sempre embevecido de mágica. de mentira! que pra você era verdade. sua única verdade: daí o apego!
eu quis quebrar tua terceira perna. eu quis que andasses, "vem, caminhemos!"
paguei o preço.
a cidade que criamos pra nós, agora deixamos.
cada um pega a estrada e o rumo para uma direção diferente.
no peito que é meu, você ainda vive... assustada em alguma singela caverna.
não consegui te matar naquela tarde de adeus. e sei que o tempo, nada vai curar. pois é doença de alma. almas que dispersaram-se.
eu queria poder ligar-te e dizer-te que não te matei. e que não o pretendo.
me sentiria bem, se eu pudesse saber que por trás do provável "estou bem, obrigado" que eu ouviria, existe uma alma que um dia se reconheceu na minha e assim, encontrou espaço.
"i don't love you anymore"
hoje esse espaço não está vazio. mas a ambiência se modificou.
eu também estou mudando...
"se meu destino é partir, não é ficar, tenho de caminhar!"
boa sorte!

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

duas dimensões*

É nesse momento a qual me encontro despido e trancado no banheiro que me olho por inteiro. aqui não tem espelho, para evitar que eu represente a mim mesmo na quem-sabe vã tentativa de enganar-me. Não! A mim cabe olhar para o que há de mais secreto, silencioso ruído interno. Há algo em mim em constante discrepância.
Nem que me deite as nove da noite depois de cansado, lhe mendigo atenção, e me levantar as três e meia da manhã, assustado sonhei que nos assaltavam e que eu não conseguia discar o número do telefone. Minhas constantes tosses que há uma semana e meia expurgam sabe-se lá o quê, agudam pontadas secas na minha cabeça. dor, quando será o dia que acordarei sem ti? Acendo um cigarro e parece-me que a partir deste momento dá-se início à compreensão dentro de mim. Já que não consigo sublimar o entendimento a favor da vida mesmo sabendo que a própria vida ultrapassa qualquer razão de por-quê's.
Eu posso sentir meu próprio cheiro e consigo olhar pra baixo, recostar meu queijo em meu peito e visualizar o que sobra do meu corpo: imediatamente entro em contato com o que falta de mim. com o que parecem ter-me subtraído. Mas não me tiraram nada! O amor que em mim pulsa e que inevitável e confusamente transformo.
É que me falta!
Como que sem notar (ou seria sem querer admitir?) TER passasse a SER. TER não é mais essencial pois mesmo quando existe a negativa NÃO TER, o meu SER me foi mais pulsante. Talvez eu nunca saiba admitir e nem sei se deixo, o fato de que tenho tudo, não me é dado o direito de NÃO SER. É porque eu nunca fui humilde (ou seria acomodado?) e suficiente para trazer a mim como espécie de reconforto interno a situação de desgraça alheia. É porque para mim, todas as dores do que se põe a morrer dividem o mesmo planeta. A árvore diante de minha janela continua e assim sempre será por muitos e muitos anos, injustamente a tremelicar enquanto a humanidade se adoece.
Você bate na porta, força a maçaneta e eu me fundo ao azulejo: sou meramente decorativo. Estou perdido! eu grito!
"E só eu posso me encontrar!"
"É tudo o que eu mais desejo!" - ela esbraveja, como se este diálogo que jamais existiu fosse inevitavelmente proferido, como que para salvar-me. Essa inércia que me carrega do vaso ao chão (tenho medo que meu peso.......) que te causa a reação. E se afastas de mim tudo se enquadra naquela natureza morta que se enche de poeira na sala, tela de pano de pinceladas mal-feitas...não tiveram noção de figura-fundo.
Sou 2D.
Me falta também profundidade.
Que vontade eu tenho de ser uma obra-de-arte, entregue à eternidade. Sem perder-se jamais. E se, misteriosa e silenciosamente o tempo quiser mostrar-me as garras e o poderio, poderia eu ser revitalizado! Meu relato histórico, meu relato artístico jamais se perderia.
E eu viveria de novo, a cada olhar interrogativo ou exclamativo (não exatamente nessa ordem) que me fosse lançado!
Relato do espaço-tempo.
Admito: sou eu o culpado!

j'attends ton regards

Quando, as 3:30 da manhã, acordei e me encontrei, me vi na cama sozinho. Te busquei pela cama toda, te encontrei ao lado dos teus. Como é a natureza humana, não? Quisera eu, natureza morta de mim mesmo poder chupar a melancia esbranquiçada de fartos caroços que pincelada em mim eterniza-se sem vida.
Me transformo em matéria pura e sinto o cheiro forte do neutro. O neutro tem cheiro também de vida. Vida insossa, mas vida! Agora compreendi clarice e sua barata partida ao meio. É que sempre tive eu também contato com o primitivo de mim ao me deparar com inseto tão indesejável!
Eu olhei nos meus olhos e me li. Não era justo cobrar-te o amor que não existe! Este solene amor que te derruba os prantos, que sonhas vendo telenovelas. Eu olhei para nós dois e nos li; sim, pois a mim não foi dado o direito de NÃO SER.
E se não sou, brota em tu o NÃO ENTENDO. Mas não somos lúcidos e tão clariceanos a ponto de amar nossas próprias incompreensões!
Não acredito numa relação de amor neutro. O meu amor tem fúria e esbraveja. a minha dor clama por salvação. Eu quero gozar, eu busco o prazer e ele inevitavelmente funde-se com minha dor. Eu, que sempre brinquei, no perigo, vivendo entre este limiar, andando em fio feito trapezista, malabarizando três pinos: eu; a dor; o prazer! Eu também não sei separar as coisas.
Pois tudo o que existe em mim existe com uma certa dificuldade. Você, que disse temer minha estagnação, eu digo o mesmo! Eu olho pra mim e temo-me! É a minha incompreensão que te tomba irrequieta. É porque não respondo, não tenho certeza, "eu não te dou a segurança neutralizada em frases exlcamativas!"
E mostra-se a mim absurdamente perplexa e diz: "Não acredito numa relação de responsabilidades únicas!"
TU OLHAS PRA TI E TE AMAS!
Eu olhei para mim e quis decifrar-me como alguém abre as cartas sobre a mesa, depois de embaralhar.
Não houve tempo!
Eu podia morar nesse banheiro!

Eu me levanto, corro para tentar ouvir os meus. eu cortei no talo o pensamento que me invadiu, não estou sozinho EU TENHO A MIM!
Tlac! PODEI! Não fui deixado sozinho na cama! eu que me atravessei e ela me deixou tranquilo no sono.
Foi como se nem ousasse despertar-me do sono profundo. Como quem teme. Talvez pensou: "Deixarei que se encontre!"
Apaguei meu cigarro e volto a deitar. Acordei as 8:30: dormi por quase 12 horas. Como alguém que adoece de repente. Só assim fui o primeiro a despertar. Eu não sei acordar. Eu não sei lutar. a culpa é toda minha: sou um equívoco!
Eu bem que podia morar nesse banheiro!

*escrito em março/abril de 2010

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

intensidade que acontece*

O amor é o sono interrompido de súbito. É o sentir frio numa manhã gelada e chuvosa enquanto sacia-se um vício...calmamente.... há o choque entre o calor interno e o frio aqui fora. O corpo se estica inquieto, busco uma maneira de encontrar calor. Quando não existir possibilidade alguma de aquecimento o amor se extingue dentro da gente. Todos precisamos da fonte de calor pra não morrermos do não-amor. Quem não tem amor nada tem. Espero nunca sofrer disso. eu cuido de mim e tu cuidas de ti... pois embora muitos pensem o contrário, o amor é ter zelo por si mesmo... o amor existirá se antes a gente se ame. Pois serão nossos os momentos longes um do outro. Quem me dera pudéssemos viver de amar uns aos outros.

Assim como a arte existe para não morrermos da vida, existe também o amor. Viver também mata! E o amor que parte do auto-amor é maduro e liberta: respeito tuas escolhas e ainda assim te amo. O amor obrigatório fenece como as flores que murcham rapidamente após terem sido arrancadas de si mesmas. O amor que me refiro é o que perdura por si próprio: é na roseira que se encontra o elixir da vida longa. É como eu e você, encontramos vida em nós e a partir daí nosso amor tem vida. Obrigado por me injetar um pouco de vida, um pouco do amor que é seu. Agora feche os olhos e sinta: há amor em mim, aos poucos meu amor te invade.

Esse amor que te penetra dá sono. Deita, amor, se dormires não significa que não me ama. Não se esqueça: cuida de ti e estarás cuidando de mim. Estou dentro de ti. Te amo.

*escrito em 27 de janeiro de 2009.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Soneguei-me*

Sonega-te a ti mesmo e sentirás o amargo gosto na boca. Nega teus atos e também julgue-os levemente e sentirás o que eu senti. Não classifique-os com simplicidade, nem lida com eles rasamente. Enfrente-se. Fita-te nos olhos. Se não tiver força e se lhe faltar coragem escuta de teu amor e cale-se diante de suas conclusões: cada um tem o direito de pensar o que quiser. Engula-se e terás junto à saliva fragmentos de corpos estranhos dentro do teu estômago a corroer tuas entranhas.
Mas não se deixe classificar nem permita que rotulem aquilo que não sentem. Se incapazes são de percebe-los é porque evitaste que assim fosse. Entretanto debaixo de toda máscara há uma identidade. Debaixo encontrarás também o redemoinho de emoções abafadas, de gritos mudos capazes de ensurdecer qualquer ouvinte. Aqui estou nu em frente de ti e de mim, E se me sonego, é inevitável que eu não o faça contigo, pois és-me também, assim como te sou.

Escrevo pra libertar-me. Escrevo com as lágrimas que foram-me incapazes de cair. Escrevo-te pra libertar-te de mim. Deixo-me livre e assim livre estás. Se perco-te é porque também me perdi. Sei onde encontrar porém finjo não saber. Como quem tenta acabar com um vício sonegando-se o esconderijo: "eu sei onde encontrar, mas tentarei me controlar". É como se eu pré-determinasse quantos cigarros fumarei durante o dia e tentasse me condicionar à nova rotina....e aos poucos adotando novo hábito. Não me tolho, não me controlo nem me corto. Eis aí meu defeito maior. NÃO! Eis aí minha característica maior.

É como se eu não soubesse lidar com o fato de que estou aqui e de que estou vivo para evoluir-me. Devolverei-me ao fim da vida do mesmo modo que me apresentaram a ela? Não posso e não quero.
Não consigo limitar-me a isso. Sendo assim, haverá superação.
Quero o tudo. Quero o inteiro, quero o tôdo. De súbito me pergunto se assim foi. Foi? Impossível. Se assim tivesse sido não lamentaria escolhas equivocadas. Estaria eu completamente equivocado? A vida não me é constituída apenas de equívocos. Você me foi um acerto. Você me foi um milagre. A revolta nasce da incapacidade de aceitar.
Saber aceitar o que me é apresentado. Eu poderia dizer que meu maior erro é teimar em encarar a realidade? Não sei. Poder, posso, mas não há manual nenhum. Você me desconstruiu tantas vezes... Foi também por ti que aprendi que eu mesmo e o mundo, e a vida não somos, não nos limitamos em ser aquilo que esperávamos ser. É preciso aceitar e mesmo assim amar. Sem limites. Não se deve quantificar. Não se nomeia, nem é possível cifrar. Eis-me aqui incompleto, imperfeito , inacabado... eis-me aqui acompanhado do amor: o que sinto e o que recebo. Eis-me aqui só.
Eis-me aqui triste, pois permiti que classificações se iniciassem dentro de ti: permiti. Fui eu, que acreditei injusto ser deixar-te só com tuas cobranças, deixe-me assim e aqui estou, me encontrando entre vírgulas; na tentativa desesperada de separar o que pulsa misturado. Tento organizar-me em meio ao caos. Tenho vontade de ser melhor. Há em mim uma vocação: o amor. Não digas que não amo alegando minhas faltas. Não afirma que não há amor em mim. É que também me habita a paixão. Cansei de esquecer e fingir que não existo em mim. E tenho medo das consequências. Não quero perder-me para que não sumas comigo.
Cansei de sonegar-me: EXIJO-ME!
Com tudo que tenho direito!

Agora eis-me aqui inteiro a ti, e também inteiro a mim. É o que se pode aguentar. Sinto uma leve sonolência: é a paz vindo e envolvendo-me de repente. A mesma paz de quando estás comigo: seja bem vinda! Eis-te aqui, veio me beijar. Zela meu sono, ou melhor, deita comigo. Vamos dormir o fim do dia também chega: é preciso aceitá-lo.

Te aceita.
Me aceito.
Te amo.

*escrito em janeiro de 2009


terça-feira, 24 de agosto de 2010

14:50

Só agora percebo com tamanha clareza os malefícios que uma mãe traz consigo.
De geração em geração: de mãe pra filho, que por sua vez transmite aos netos e assim por diante.
É por medo de seguir adiante com meus objetos de adoração que prefiro não ter filhos. Não quero passar nada pra frente, me é permitido escolher.
Não quero fazer uso de segundas personas para que assim o que chamam de genes sejam lançados adiante.
Somos mais que animais que precisam de bandos, fêmeas e números.
Quanto mais genes somados, multiplicando-se também as necessidades de sobrevivência: mais presas, mais tudo.
A consciência. O excesso e a falta podem viver sob mesmo teto, sobre idêntica parcela de terra.
Vítimas da própria consciência dividem o mesmo espaço e a, cada vez mais onipresente, inconsequência amedronta e enfraquece os cérebros inquietos.
Parece que a dor tardará passar, a angústia será sempre presente em mim? É tanta que meus bocejos ameaçam me derrubar pra sempre.
Para toda eternidade seremos testados e quem sabe diariamente, traídos por um bocejar ou outro?
É o bocejo mudo que me expõe. Realmente ele me ajuda. Assim expresso o que não se exprime.
O bocejar é um eterno paradoxo.
Estou triste e preciso me libertar, assim perdoar, entrar em consonância gratuita com o outro. O OUTRO.
Também o outro que existe em mim e que mais de maneira rápida, tão ligeira quanto os bocejos que me surpreendem quando menos espero, me enchem os olhos de lágrimas. As mais inúteis!
Despejadas por excesso de contingência, é apenas uma medida de segurança ante o perigo iminente da explosão de glândulas lacrimais. É o bocejo!
É o bocejo NEUTRO que as escorre externamente, antes mesmo de atingir a boca e retomar o processo (quem sabe voltar a armazenar-se na espera ansiosa de sair em oportuno momento?) séca no meio do caminho...desaparece!

escrito em três de fevereiro de 2010


domingo, 22 de agosto de 2010

NUVENS SANGRENTAS*



Jamais senti tanta dor....
Fiquei cerca de uma hora sozinho no silêncio libertador da noite, que fora interrompido por um agudo sinalizador, ecoando entre minhas cavernas...
Tal som apesar de irrompido repentinamente não conseguiria ser mais intenso e doloroso quanto o grito interno... que lancinante se fazia, e ainda FAZ-SE presente.
Nem mesmo o ruído do ventilador, nem mesmo o barulho das pedras de gelo, que dentro de meu copo com vodka, conseguem ser maior.

Lá embaixo, enquanto procurava uma posição mais adequada, que pudesse então aliviar meu caos, olhei o céu. Me enviara uma mensagem. O céu que antes era negro, com pontos luminosos, (que mania/costume tem o homem de não olhar para o que se passa acima de suas cabeças!) tornou-se gris!

Como?
Repentinamente, durante à madrugada

Ainda olhei as horas no ponteiro, eram por volta de 03:23/03:25 da manhã;
...o céu foi invadido por nuvens rápidas, que por entre o corredor de apartamentos foram encobrindo o resto de luz remanescente.
PASME! As nuvens ligeiras eram avermelhadas....
cor do meu sangue....
de repente pude entregar minha esperança de grito sufocada, assim como as estrelas se pudessem, também exigiriam espaço.
E eu?
Eu agora me encontrei.
ESTOU e SOU só.

JE SUIS SEUL! tout seul!

No francês, ser e estar correspondem ao mesmo verbo. Mesma conjugação:
tomo a determinação da conjugativa francesa e afirmo:
ESTOU/SOU COMPLETAMENTE SÓ.
Não sei se terei forças para prosseguir. Provavelmente sim.
Assim como, apesar da dormência leve que toma meu punho neste momento, prossigo escrevendo.
Não sei até onde, praquê...
É muita dor, e agora entendo ainda mais perfeitamente a existência e o uso frequente das drogas....que rasamente, mansos chamam-no 'fuga'!

COMO SE FUGA E FUJÕES FOSSEM OS ADJETIVOS DESTINADOS ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE AOS DROGADOS E BÊBADOS!

Estou enfim anestesiado, a dor existe, mas consegui sufoca-la.
Não sei ao certo como, nem até quando.
Assim eu me retiro. O silêncio da madrugada me expõe tanto!
Quisera eu poder flanar pela cidade essa hora, em busca não sei do que, não sei ao certo por onde andaria..........
*(04:38)
escrito dia três de fevereiro de 2010

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

cartas sem destino*


Chér amie,

Na virada do ano, de 2007 para 2008 eu chorei e supliquei para que deus me pudesse doar um amor. Aquele amor, que eu já, naquele momento havia entendido ser humano: embora os homens me fossem mais visíveis desta fôrma eu pude me abster. Afinal a minha fôrma era de outra natureza. Eu, que achei-me livre por não sofrer da mais comumente, disseminada pelo que chamamos de "indústria homo", fôrma, hoje surpreendo-me e admito: EU TAMBÉM IDEALIZARA. Mesmo não idealizando. Hoje está claro em mim: quem não toma partido, sem saber, TOMA-O! Não é verdade?
Eu, que tolamente na virada referida no começo deste conjunto de palavras, pedia simplesmente um amor, não sabia, que por trás, nas minhas entrelinhas, havia a carência: NÓS QUE FODIDOS FOMOS pela vida, embora em diferentes e pessoais aspectos (mesmo considerando milhares de haitianos em situação "pior") devotamos nossas necessidades em algum, alguém...
Por que é difícil carregar sozinho?

Enfim, aquele mesmo tolo e sonhador agora lhe escreve! Agora com um AMOR, Deus ouviu minhas preces, minha cara! O aprendizado jamais termina! A única certeza que eu posso chamar de minha é que mesmo nos dois segundos antes do últimos suspiro desta vida nossa É POSSÍVEL APRENDER! E aprender requer reciclagem pessoal... é um turbiulhão de emoções que me toma sempre... que me impulsiona sempre!

Lhe escrevo para lhe dizer, secretamente - pois quem sabe eu não esteja errado? , minha última descoberta: apenas uma vida....não é o suficiente para mudarmos e abrirmos mão de nossa terceira perna! Nem mesmo nós, que já nos reciclamos tantas vezes para poder caminhar, prosseguir, creio que não chegaremos a atingir uma mudança considerável!
O que chamo aqui de mudança não se trata de calar, aprender a controlar a impulsividade ou aprender a se colocar como o outro! Você percebe que, aprender a controlar o impulso não é cortá-lo?

Cada vez mais percebo calmamente, que é perigoso demais cortar os próprios defeitos: clarice já previra a máxima: NÃO SE SABE QUAL DEFEITO É QUE SUSTENTA O EDIFÍCIO INTEIRO!

Me diga quem foi que conseguiu atingir a total desconstrução sem ter cometido o suicídio? O suicídio como salvação, claro! Os covardes que ainda assim continuam vivos, nestes casos, depois de des(cons)truídos ainda mantiveram o olhar de arrependimento!
O amor as vezes é tão injusto, ou melhor, não ele: NÓS MESMOS!
O casamento é um leão por dia, minha cara! QUEM CRIA, ALIMENTA ESTES LEÕES? NÓS MESMOS!
E esperamos o momento correto para livrá-los de nossas jaulas, como se a partir do momento que tais felinos passam a pisar em terra firme, a responsabilidade passasse de nossas para terceiros, quartos, quintos, sextos!
Essa incurável mania de nós para os outros! Para que esse costume tão disseminado de almejar a alteração do que se ama? Não faz sentido! Ninguém pode alcançar tal mudança, minha amiga! Não se apaixona pelo que não existe! Esses dias ouvi que no casamento, as pessoas passam a odiar aquilo pelo qual antes era APAIXONADO! Olha que frase filha da PUTA! Mas não se pode permitir tamanha boçalidade!
É um absurdo! Entende perfeitamente os leões que me referi ali atrás, né? Enfim...
Me sinto esvaziado agora, mas me sentiria muito pior daqui alguns anos, se tal ilusão me fosse tirada.
Ficaria perdido! Muito perdido, imagina!
Não existe controle! Eu, sentimental, iria destruir a sentimentalidade dela se continuasse na vá ilusão certa que seria possível mudar isso nela! Ela não mudaria, se treinaria para que eu acreditasse nesta mudança!

Mesmo se ela quisesse, almejasse, não conseguiria....então voltamos na parte em que escrevi, dos DESTRUÍDOS.

*escrito em 2 de fevereiro de 2010

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

natureza-morta*


enquanto retorno a pé para o meu não-lar
eu só consigo sentir a friagem tomando minha pele
ela tenta me envolver e me tomar, mas mantenho meus lábios voltados para dentro de minha boca.
minhas mãos estão nos bolsos e meu rosto e minha respiração tomados pelo frio seco que faz arder minhas narinas.
eu só consigo sentir ou não-sentir-me durante todo trajeto. só sinto-me humano quando me aproximo de casa e ao levantar-me a cabeça perceber a brisa fria doer em minha pele, ao entrar em contato com meu suor. suor?
suor que eu não senti.
(ser o que não consegui)
quando me aproximo do portão dá-me um desejo enorme de voltar ao início do percurso. é um silêncio doloroso diante dos ruídos da cidade que me deixam tão afoito e irritado.
me atormentam as pessoas correndo e suando.
são tão humanas. e eu, projeto-humano, em passos lentos só sinto-me humano quando estou no banheiro e deixo cair toda minha matéria orgânica.
só me sinto humano pela matéria morta que cheira.
só me sou humano quando tiro minhas unhas dos pés, que não consigo levar à boca, como faço costumeiramente com os dedos das mãos.
levo-as ao meu sentido e o cheiro é forte. o cheiro é humano. sou esse cheiro.
sou o cheiro de tabaco que aos poucos toma minha mão direita assim como esse grafite a toma pra si.
nu, espero o momento de limpar o que me é tão humano: meu corpo.
território meu.
território que não mostraria para ninguém.
aquilo que não deixaria sob irradiação nenhuma: meu corpo nu refletido nesse espelho.
não tenho coragem de fitá-lo permanentemente.
quero ocultá-lo.
um espelho, afinal, apenas reflete.
não transparece.
um espelho existe e se enquadra nas idéias de espelho: reflexão.
minha imagem parece real: substância e essência.
meu corpo refletido na idéia de espelho subexiste.
sou a essência de uma imagem refletida, apenas.
o que seria o pior de mim próximo àquilo que me é humano?
o cheiro que desagrada, o odor que exala.
o que são eles próximo à minha imagem não-refletida no espelho?
imagem?
...minha não-imagem não-refletida nesse espelho.
quando olho pra dentro de mim posso enxergar e ver, inúmeras não-imagens.
enxergo, apenas.
eles não refletem, irradiam.
ora opostos, ora intensos esses não-espelhos de dentro de mim me não-mostram não-imagens-mil de mim mesmo.
eu sou o óleo que transpira meus poros e o mau hálito que transpira de minha boca.
eu sou o cheiro forte do meu couro cabeludo, que produz mais matéria morta...
...os cabelos e as unhas continuam a crescer, mesmo depois da morte.
talvez eu seja uma natureza morta em sua atemporalidade.


*(escrito em 2005 ou 2006)

terça-feira, 17 de agosto de 2010


que tragédia abateu-se sobre a humanidade
que dia a dia torna-se mais desumana

onde vale mais uma mentira bem contada
a ponto de acreditarem
e comprarem-te

com a desculpa de que a verdade sobrevive
e mata-te aos poucos
esmaga a si mesmo

e ainda toma-te cuidado
e apruma-te
corra para que o gesso não endureça
e para que junto, a máscara não se mescle em cara vossa

que maldição fora essa
que lançaram sobre todos
ao lhe enforcarem as idéias
e suprimirem aos poucos teu próprio eu

falsifica-te para te unir à massa
e amaldiçoe o fordismo que impera
onde todos somos série de algo ou alguém
para que enfim, quem sabe,
possa-te saltar a artéria da criação
e assim recria-te cada vez mais

como pode camaleão sobreviver
com apenas uma metamorfose?
consegue quem sabe,
com fingimento sagrado
e muita fé
alcançar-te o topo
e quem sabe até lá
não tenha-te esquecido quem és

o que move-me é a sede de vingança
sobre todos os caretas
que gozam baixinho
sob mantas e mantras diários

sobrevive à caçada
grande mentira de si mesmo
enorme piada de (não)ser-humano

ria e sorria
mude até sua voz
jogue fora seus musos e musas
recicle-se
recria-te se te deixarem

tente levantar sempre que cair
e pensar que um dia, poderá jogar suas migalhas
a quem enormemente deseja
passar-te a perna

esfarele-se
mas não entristeça-te
jamais chore
mentira e verdade de si mesmo
quando poderá ser fiel a si próprio
representando
apresentando
quem não se crê
vendendo
o que não (se)
compra-se

representa
sois miserável
mas jamais admita
finja não ter tempo
finja
refinja
restrinja
doe
durma em paz

e tu?
quando deitar...
..poderá enfim
reconhecer-te?
este corpo cansado
e deformado
com a alma em chamas
esperando o dia nascer
sem merecer
pois não será diferente
como toda manhã o é

aguarde enquanto o sol não explode
e se proteja também dele
torna-te cada vez mais opaco
e devora-te
sempre que podes
mastigue-se
e aguarda
o tempo infeliz passar
será que você perderá
(poderá)
enfim
se reinventar?
quem acreditará na mentira
inventada
e gritada
além de vós?

as paredes que te rodeiam falam de ti?
tente se resguardar
para que no futuro
você possa enfim
re-virar-se

depois compara-te
com o que era antes
divisão
multiplicação
ou
uma mer(d)a subtração?

domingo, 8 de agosto de 2010

semente de amor



"j'ai compris tous les mots. j'ai bien compris, merci.
raisonnable e nouveau, c'est ainsi par ici..
que les choses ont changé, que les fleurs ont fané..
que le temps d'avant
c'était le temps d'avant
et que si tout zappe et lasse,
les amours aussi passent...je veux que tu saches!"





agora em que ouço nossas baladas tristes... em que caio na fossa, em francês com nossas canções tema. é pra satisfazer a necessidade de lágrima que eu tenho. e vou chorar, por ter sido ignorado um direito que era meu. algum dia, vocês, leitores se surpreenderam a ponto de jogar tudo pra cima? o espasmo do inesperado é tão grande, qualquer um que pudesse olhar-me de fora, julgaria-me insano. como pode? eu tremia. meu coração disparou. eu não queria mais ouvir nada. agora satisfaço a sede desse músculo, tão enigmático... que pode parar de bater a qualquer momento, selando assim o fim da vida orgânica.
eu sabia o que estava fazendo. por que você não se dobra e volta logo? e muda, modifica, vem, eu quis tanto limpar essa visão turva que você teve... e tem. eu quis tanto lhe salvar. era como se você tivesse dentro de um carro sob temporal. todos os vidros fechados e sua respiração toma tudo e logo chegará a invisibilidade externa. saia do carro, vem,!

é tarde!
eu já desci do carro. deixei você sozinha...já posso ver o veículo há muitos metros de distância, talvez kilômetros! também estou sozinho. somos todos sozinhos.
eu quis que você descesse do carro. mas não saí pra lhe testar! a réstia de auto-amor que me foi possível, foi gasta.
a culpa é de minha idealização extrema! afinal, não tem problema em ter, aqui em casa vossa, como espaço meu, o quarto de visitas, onde está a cama que trouxe da casa onde eu morava. a cama de solteiro. sou de sentir o chão que piso. sou terreno. preciso!
foi tirado de mim o direito que julgava ser vitalício. pois nos chamei eternos...
acreditei possuir o que pra ti, não havia conquistado ainda. eu, que mal podia esperar os jantares e les murs couverts des fleurs que tu préfères!

crepúsculo e morte

Tela de Frida Kahlo, a morte como temática.

agora que eu escrevo é difícil.. por isso levo tempo.. levo comigo.
eu tenho medo agora, também. realmente a cidade respira diferente! é a minha esperança lá fora cantando? mas ela me assusta...!
meu corpo aquecido pós-banho me faz atenção ao que interno desenvolvia-se. expeli hoje lavei-os com sabão neutro.
este momento é neutro pra mim.
mas dói.
tento chamar atenção de amigos meus... eu queria todos aqui. não comigo, poderia ser online. mas é sábado. e três da manhã. não há ninguém. tenho a frida que pintei. se não ecoasse eu não ligaria pra eles. eu preciso do silêncio! o silêncio das idéias. que me levam pra frente. infelizmente sem você.
eu entro em contato com o que aconteceu. e com o que eu ouvi... da maneira como ouvi. vindo de alguém que foi incapaz de descer e falar comigo de igual pra igual...
embora discordemos de muitos outros breves assuntos, como o que sempre me pulsa: a miséria! e de como pode ser verdade que todo mundo tem o que merece? eu tive o que mereci? uma batalha! pois saibam todos: a prerrogativa de uma guerra é a detenção de um poder que antes, não se tinha! e eu, que um dia, julguei possuir o que agora descubro nunca ter tido.
acabou.

sábado, 31 de julho de 2010



não julgo impossível o que espero. impossível é não esperar.

não me justifico: assumo-me.
eu poderia falar de minhas insistentes ofertas que dedico-lhe em silêncio: que as minhas prioridades sejam para ti, que recebe a oferta, tão valiosas como minha vida deveria ser...como a sua vida a mim, é.

eu poderia começar falando de minha arrogância provocadora, e de minha insistência em olhar apenas para as minhas dores em meus delírios perseguidores, onde à mim todos parecem fingir não me ver. eu poderia relembrar-me das incontáveis vezes em que ajuda recebi, mesmo quando eu não conseguia enxergar socorro. eu também poderia falar das vezes intermináveis em que me coloquei como vítima diante da responsabilidade que deveria ser só minha. a minha arrogância é pretexto posto que eu mesmo me subestimo.

eu deveria falar também como quem lucidamente olha pra si, como costumeiramente faço, embora não comente. eu deveria dizer-lhes como sinto por não conseguir modificar-me. transformar a dura realidade: não importa aos outros o que importa a mim... e eu também deveria dizer de como é penoso encarar o fato de que, diante de tamanha inconformidade a vida ainda pulsa. eu poderia e deveria dizer-lhes que não lamento nada e que tudo deve prosseguir. mas não é assim que acontece.
como agora a dor pungente em minha cabeça indica minha imaturidade. como agora a dor que me impulsiona a escrever-lhes mesmo sabendo que ninguém vai ler, nem comentar. essa dor também me esclarece: se alguém me ler, não terá o que dizer.

eu poderia me embriagar e denunciar que nada sei. esse assistencialismo que eu cresci chamando de ideal. eu poderia também elencar o que me fez achar assim, e quais aspectos de minha criação eu mesmo teria mudado, se pai eu fosse. eu deveria repetir mais a mim mesmo: não existem culpados! eu poderia ir além, se eu pudesse de fato nunca mais surpreender-me ao sentir o que não controlo. ainda.
eu poderia dizer aqui abertamente de minha grande decepção, do tamanho exato de minha ambição que a precede. eu poderia esclarecer afirmando o que me vem à cabeça sempre: eu, no seu lugar, faria diferente!


sexta-feira, 30 de julho de 2010


eu, que quando alego a eterna incompreensão, posso parecer cansativo. mas os por quês (que parecem eternizar os pra quê's) são quase inerentes à minha existência. eu, que incompreendo os passos! os passos e os caminhos são eternos também. eu, que julgo a história ingrata por perder-se no tempo quase sempre todas vezes...em que pergunto, sem entender, onde cravarão os nomes, todos eles, daqueles que deixam a vida?

eu, que quebro a televisão ao abrir minha capa protetora! em meio ao bombardeio, eu tento preservar-se, muito embora eu não tenha total consciência do preservado. fugindo à consciência há muito mais o não conhecimento do total preservado. portanto não trata-se de uma redoma, mas envolvendo-me do que não se vê, penso tornar intacto o brilho. o mesmo brilho que, aos poucos sei que a vida apaga. o que creio é que o brilho jamais cessa. depois da morte, deve direcionar-se lentamente à lugar desconhecido! é o apego terreno! não me acho tão capaz de renúncia ao que posso tocar. tenho apego ao chão que eu piso. meu pé transpira tanto quanto minha cabeça, que ora está nas nuvens, ora em queda livre.

os ritos da morte, como véu negro [por reunir todas as outras cores] que cai sobre todos e sorrateiramente os encaminham rumo ao eterno esquecimento. "não seria consolo pensar que a morte acaba com tudo de repente?". todos meus mortos foram afastados de mim. sairam de nossos quintais, foram pro sítio emoldurado por tijolo, alguns sortudos encontraram ao menos sombra abaixo das farinha-secas que, odiadas tratam de seguir à sua vida, sozinhas, com a ajuda do vento.

mas praquê as ambivalentes palavras e gestos que carregamos, se todos estamos à caminho do que não se sabe? ou melhor, rumo ao desconhecido! o dia nasce e o dia morre. o roteiro é o mesmo.

talvez pudesse ser terrível se eu, aqui, disparasse a escrever efêmeras certezas, passíveis de mudança de dois em dois minutos. seria mais terrível se eu me enchesse agora, do futuro que eu não controlo, porém idealizo. e como!! nem sei se realizará. admiro as reinvenções que alguns seres são capazes e respeito minhas impossibilidades embora muito frequentemente me lanço porquê's intermináveis. eu preciso caminhar sem saber praonde vou. parar numa praça, fumar um cigarro. são tantas necessidades. somos seres treinados à ambições e desejos. e mais: ligados à impossibilidade de realizações.

somos constantemente corrompidos. são bombardeios de todos os lados. estamos cegos. fechamos os olhos, passamos reto, seguimos em frente. sempre pensando lá na frente. nas contas a pagar, nas contas à adquirir...por favor, não me incomode eu tenho meus problemas!
não reconhecemo-nos no outro.
o mundo parece tão rico que apodrece.
e o ser humano é a maior contradição de todos os seres: somos seres sociais entretanto estamos fadados à solidão.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

rosa de hiroshima




eu preciso ficar sozinho

eu sou pura respiração

eu sou pura compreensão

e constante indagação provocativa

como quem nada sabe

a respeito da vida





terça-feira, 29 de junho de 2010

peito vazio




é que no peito resta o vazio infinito

e no mais, tenho pena dessa situação toda

pois não há um abraço, um consolo

o que existe é a recorrente disputa

pra quem é pior?


mas não quero disputa

eu quero que ele volte a bater

descompassadamente

mas não tem querer


medo

o medo me assombra

meu peito devastado e vazio

grita

e reclama

mas eu finjo que não escuto
pois o tempo precisa passar

e sempre passa

e como passa!


eu me refugio no ensurdecer do silêncio interno

dando festas dentro de mim

onde me apaixono facilmente

onde me encanto habilmente

com outros olhos, outra boca


mas ressinto-me de tal encanto

não compreendo-me

mas tento aceitar-me


sou assim mesmo,

de me apaixonar por flores

dores.


me senti atraente e atraído

pelo que simplesmente é


ainda não sei se quero o superficial

e me culpo por exigir sua mudança

não se sabe o que vai nos guiar daqui pra frente

não há paz mais dentro de mim


e tudo o que vem pela frente

representa

um estrondoso ponto de interrogação

nem à cartomante o futuro se mostra tão claramente

e muitas vezes se trái

essa confiança que se estabelece

a vidente o pré-visto


não me sobra tempo

não há afago

não há contato

a distância que lentamente me congela

e a solidão

que me liquifica

e de pouco em pouco

solidifica-me


não aceito a moldura em gesso fresco

não acredito no molde

não se enquadre

não se emoldure

liberta-te

tentarei
ser livre


sábado, 12 de junho de 2010

paixão marítima





você me habita de uma maneira absolutamente envolvente,
maritimamente me toma, como iemanjá enfurecida ao (re)ofertar oferendas,
buscando suas almas de alguma forma devedoras...
mas são as almas que se deixam envolver,
apaixonados pelo mar [que é teu de direito]..

maresia.

mar com poesia

já existia...
dentro de mim.
cantoria,

eu que ouvia,

de repente

o que havia?

por que o céu escurecia?

era ela

era iansã que aparecia

o mar,

em pó se transformaria

logo eu

naufragaria

embevecido

a tristeza

amarguraria

minha vida

quem diria, em pouco tempo

tudo se transformaria!

as ondas que ali

na beira da praia quebraria

já eu sabia que não

regressaria


lá no fundo,

onde nem luz mais havia

eu ofereceria

àquela que chegaria

trazendo a tempestade

disfarçada em calmaria



"é vista quando há vento e grande vaga

ela faz um ninho no enrolar da fúria

e voa firme

e certa

como bala

às suas asas empresta a tempestade

quando os leões do mar rugem

nas grutas

sobre os abismos ela passa

e vai em frente

ela nao busca a rocha, o cabo, o cais

mas faz da insegurança sua força

e do risco de morrer

seu alimento

por isso me parece imagem justa

para quem vive e canta no mau tempo."




quinta-feira, 27 de maio de 2010

dezoito graus ; quatro e vinte e um


é como se tudo que tem vida dentro de mim viesse a tona
e a fumaça que sai é involuntária!
mal se traga
suga a tudo
num raio de 10 metros a partir de si
tudo o que está estático, no lugar, ponho pra dentro
e junto, os sentimentos que perdem-se por aí
o envoltório (meu) - como monumentos que eles julgam
são mais importantes que outros,
precisam de cinquenta metros a partir de si
para garantir sua intocabilidade
que eu não seja descaracterizado!

a mosca, que zune
percebo que foge da chuva,
precisam aproveitar-se do restante de dias seus
de ponta cabeça, pousam no varal
como resistem!

de nada me diz o raciocínio
se só amo quando me gritam

a vibração
raios contínuos sobre mim
sobre nós
podem agora respirar aliviados
não estão sozinhos.