É nesse momento a qual me encontro despido e trancado no banheiro que me olho por inteiro. aqui não tem espelho, para evitar que eu represente a mim mesmo na quem-sabe vã tentativa de enganar-me. Não! A mim cabe olhar para o que há de mais secreto, silencioso ruído interno. Há algo em mim em constante discrepância.
Nem que me deite as nove da noite depois de cansado, lhe mendigo atenção, e me levantar as três e meia da manhã, assustado sonhei que nos assaltavam e que eu não conseguia discar o número do telefone. Minhas constantes tosses que há uma semana e meia expurgam sabe-se lá o quê, agudam pontadas secas na minha cabeça. dor, quando será o dia que acordarei sem ti? Acendo um cigarro e parece-me que a partir deste momento dá-se início à compreensão dentro de mim. Já que não consigo sublimar o entendimento a favor da vida mesmo sabendo que a própria vida ultrapassa qualquer razão de por-quê's.
Eu posso sentir meu próprio cheiro e consigo olhar pra baixo, recostar meu queijo em meu peito e visualizar o que sobra do meu corpo: imediatamente entro em contato com o que falta de mim. com o que parecem ter-me subtraído. Mas não me tiraram nada! O amor que em mim pulsa e que inevitável e confusamente transformo.
É que me falta!
Como que sem notar (ou seria sem querer admitir?) TER passasse a SER. TER não é mais essencial pois mesmo quando existe a negativa NÃO TER, o meu SER me foi mais pulsante. Talvez eu nunca saiba admitir e nem sei se deixo, o fato de que tenho tudo, não me é dado o direito de NÃO SER. É porque eu nunca fui humilde (ou seria acomodado?) e suficiente para trazer a mim como espécie de reconforto interno a situação de desgraça alheia. É porque para mim, todas as dores do que se põe a morrer dividem o mesmo planeta. A árvore diante de minha janela continua e assim sempre será por muitos e muitos anos, injustamente a tremelicar enquanto a humanidade se adoece.
Você bate na porta, força a maçaneta e eu me fundo ao azulejo: sou meramente decorativo. Estou perdido! eu grito!
"E só eu posso me encontrar!"
"É tudo o que eu mais desejo!" - ela esbraveja, como se este diálogo que jamais existiu fosse inevitavelmente proferido, como que para salvar-me. Essa inércia que me carrega do vaso ao chão (tenho medo que meu peso.......) que te causa a reação. E se afastas de mim tudo se enquadra naquela natureza morta que se enche de poeira na sala, tela de pano de pinceladas mal-feitas...não tiveram noção de figura-fundo.
Sou 2D.
Me falta também profundidade.
Que vontade eu tenho de ser uma obra-de-arte, entregue à eternidade. Sem perder-se jamais. E se, misteriosa e silenciosamente o tempo quiser mostrar-me as garras e o poderio, poderia eu ser revitalizado! Meu relato histórico, meu relato artístico jamais se perderia.
E eu viveria de novo, a cada olhar interrogativo ou exclamativo (não exatamente nessa ordem) que me fosse lançado!
Relato do espaço-tempo.
Admito: sou eu o culpado!
Me transformo em matéria pura e sinto o cheiro forte do neutro. O neutro tem cheiro também de vida. Vida insossa, mas vida! Agora compreendi clarice e sua barata partida ao meio. É que sempre tive eu também contato com o primitivo de mim ao me deparar com inseto tão indesejável!
Eu olhei nos meus olhos e me li. Não era justo cobrar-te o amor que não existe! Este solene amor que te derruba os prantos, que sonhas vendo telenovelas. Eu olhei para nós dois e nos li; sim, pois a mim não foi dado o direito de NÃO SER.
E se não sou, brota em tu o NÃO ENTENDO. Mas não somos lúcidos e tão clariceanos a ponto de amar nossas próprias incompreensões!
Não acredito numa relação de amor neutro. O meu amor tem fúria e esbraveja. a minha dor clama por salvação. Eu quero gozar, eu busco o prazer e ele inevitavelmente funde-se com minha dor. Eu, que sempre brinquei, no perigo, vivendo entre este limiar, andando em fio feito trapezista, malabarizando três pinos: eu; a dor; o prazer! Eu também não sei separar as coisas.
Pois tudo o que existe em mim existe com uma certa dificuldade. Você, que disse temer minha estagnação, eu digo o mesmo! Eu olho pra mim e temo-me! É a minha incompreensão que te tomba irrequieta. É porque não respondo, não tenho certeza, "eu não te dou a segurança neutralizada em frases exlcamativas!"
E mostra-se a mim absurdamente perplexa e diz: "Não acredito numa relação de responsabilidades únicas!"
TU OLHAS PRA TI E TE AMAS!
Eu olhei para mim e quis decifrar-me como alguém abre as cartas sobre a mesa, depois de embaralhar.
Não houve tempo!
Eu podia morar nesse banheiro!
Eu me levanto, corro para tentar ouvir os meus. eu cortei no talo o pensamento que me invadiu, não estou sozinho EU TENHO A MIM!
Tlac! PODEI! Não fui deixado sozinho na cama! eu que me atravessei e ela me deixou tranquilo no sono.
Foi como se nem ousasse despertar-me do sono profundo. Como quem teme. Talvez pensou: "Deixarei que se encontre!"
Apaguei meu cigarro e volto a deitar. Acordei as 8:30: dormi por quase 12 horas. Como alguém que adoece de repente. Só assim fui o primeiro a despertar. Eu não sei acordar. Eu não sei lutar. a culpa é toda minha: sou um equívoco!
Eu bem que podia morar nesse banheiro!
*escrito em março/abril de 2010