quarta-feira, 17 de novembro de 2010

sem título



eu não consigo, agora, escrever feito poesia
escrevo agora como um projeto inacabado
que aos poucos adota e adota novamente e depois mais uma vez, já percebeu que a vida é um adotar constante?
adota-se uma vida, e vive-se.
pois não vive-se mais pela vida... porque a vida cai aos pedaços ao nosso lado, e
as pessoas caem
nosso pais caem
e nossos heróis estão todos mortos
sou um eterno quase
assim mesmo
quase
amadureço
no fundo, somos eternas crianças
algumas não souberam amadurecer
outras amadurecem,
ou melhor,
outras quase que amadurecem rápido demais
mas mesmos estes, ainda estão ligados e formados
pelo que já passou de si mesmo
o passado, o peso do passado de hoje
do que o passado representa hoje
seria o ontem?
vive-se no quase tudo tem nome
e é por isso que querem tanto enquadrar-se em algum quase!
mas morre-se todos os dias,
não se escolhe o quase para morrer
por mais que dividamos,
sempre ligeiramente sem saber
que aqueles que quase morreram
admitam "valorizar a vida"
os acidentes!
a vida é mesmo um acidente, nasce-se
por acidente

quando começo, em um pulo,
e alcanço logo um "quase justificar-me"

tudo aquilo que quase aconteceu
o quase-amor
a quase-viagem
o quase-sonho

e sabe que quase me vicio na dor?
...ela, minha companhia
agora estou sendo quase-piegas
também sou um quase-romântico.

e a raiva diária desconta-se em si mesmo
a raiva pelo silêncio
como seria se eu tivesse vencido o quase,
e quase tivesse ido embora
sem a minha segurança

mas eu sempre soube
agora acho que estou confuso
comigo mesmo
essas confusões que nos acometem
alguns passam incólume,
mas por pouco tempo
elas sempre voltam..
as memórias munidas todas de seus inúmeros "quase's"

pra quê tanto sofrimento?
muda-se o próprio destino
(agora o destino quase-existe)
há que sentir o peso daquilo que é considerado "responsabilidade"
era isso então?
existem tantas perguntas
somos quase todos repletos de interrogações
percebe-te, não te perguntaram nada

os vícios justificam-se
inúmeros vícios
tenho vício pelo prazer
há que se ter prazer também
acredito também que programa-se, como novelo de bicho da seda que aos poucos tece fio a fio - tira-nos os chumaços de algodão e logo vamos a tecer outros,
prazer digitalizado, alienado, virtual

a história musicada
trilha por trilha
músicas que nos levam a outro lugar
os músicos e poetas são tão mentirosos!
ilusórios.
e a arte passa mesmo a existir,
correto estivestes quando dissestes,
por tornar vivível a vida
por defrontarmo-nos diante dela.

agora senti a dor do corpo
do peso do corpo
sobre o corpo
todos somos sensíveis a nós mesmos
sensíveis ao próprio toque
e quem provavelmente quase não sentiu-se hoje
perdeu tempo sentindo o outro
sentir mais o outro que a si próprio também tem seu preço

se eu sempre soube como seria
se por todo sempre eu soube das existências dos quases e suas causalidades
hoje vou atrás de qual quase?
como aquele desenho que quase se terminou
aquele amanhecer que ficou começado no pedaço de pano da vida
ou aquela noite inacabada com o pincel ainda úmido do lado

(a cena: queima-se outro cigarro)
a felicidade como um outro quase
o amor como um quase
o "quase-amor"
a certeza de que
"o amor e a felicidade juntos, é quase um milagre!"

então nos deparamos diante do tão dito amor
hoje transformado em projeção de todos os "quase's"
o amor não se define -
e estremece entre

"a liberdade do objeto (o outro)
----------------------------------(o amor)
e a liberdade do sujeito (o eu)"


e emburrece diante de sua impossibilidade
agora ele deveria chamar-se então quase-amor

justifico agora a morte do outro
justifico a morte do sujeito
foi por uma falha: a confusão do objeto
o objeto torna-me e
confundo-lhe, o amor (me consola sua impossibilidade)
nossos, erros.


quinta-feira, 11 de novembro de 2010

sêca em mim




amanhã completaríamos dois anos, se estivessemos juntos.
me permita a arrogância de dizer que já sabia como seriam percorrer meses após minha partida
partida consentida.
mas não imaginava tamanha dor que lateja em peito meu agora
tá tudo aqui dentro ainda
era tão óbvio, mas eu imaginei que seria diferente
tamanha traição!
pela sensação de traição que deixaste em meu peito entreaberto
desde então estou desabitado, em hiatus
vazio


uma luz fraca ainda insiste em iluminar os vultos do passado
e faz sombra em paredes minhas
teu refúgio cavernoso ainda é iluminado
anseio a hora de que a escuridão chegue
já sinto sua aproximação
dolorosa sensação de viver sem ti

eu morei em seus olhos,
parecera que há anos procurava abrigo
mas fui expulso, tive que consentir minha saída
vaguei sozinho em busca de teto,
e era guiado pelos fios de teu cabelo
que fiz corda
estava escuro

são tantos arrependimentos
tão desesperadores
ainda ardo feito floresta seca
não houve mais chuva
água nenhuma
choro nenhum caiu do céu

muito de mim se eternizou naquele instante congelado
tarde no parque
em que teu retrato eu fiz
era essa imagem que eu gostaria de levar pra sempre comigo
e muito embora por vingança eu tenha abandonado em casa vossa
ainda relembro,
(e dentro de mim mais kilômetros quadrados queimam a cada reviver
que o cheiro da tua pele me traz)
assim, sem explicação me invade

não posso te extirpar de mim
não consigo
tenho de admitir
poupo-me deste porquê
já não procuro resposta alguma
triste descompasso
que sinto então em peito meu
assemelha-se tanto ao nosso fim
há tanto tempo anunciado!

só não vejo mais vida além-ti
mas não me trouxesses tudo
mas me invadistes,
feito onda que alcança canoa parada na areia
e a leva mar adentro
e dentro de mim, como há de haver outra vida?

apago a luz
a espera aflita,
finjo que pode-se morrer
e que com a morte tudo se acaba
quem sabe,
tudo aceso, queimando em mim
sem cessar jamais
as labaredas rasgam minhas terras
desde então improdutivas

invado-me
em desespero
tentativa inútil
de salvar ao menos um punhado
para que algum defeito
deste jardim que sou eu
ali floresça
e feneça.

*
Âmbar - Adriana Calcanhotto
"tá tudo aceso em mim
tá tudo assim, tão claro!
tá tudo brilhando em mim
tudo ligado,
como se eu fosse um morro iluminado
por um âmbar, elétrico
que vazasse nos prédios e banhasse a lagoa
até são conrado
e ganhasse as canoas,
aqui do outro lado.
tudo plugado
tudo me ardendo
tá tudo assim queimando em mim
como salva de fogos
desde que sim eu vim morar nos seus olhos"


*

terça-feira, 2 de novembro de 2010

(re)partir



artéria desinchada, corro em veias tuas
eu quero circular

a escala da cidade
me diverge de ti
embora o teu desejo
seja também como o meu

extravaso-te
e entro
sou o alvo dos olhos do mundo
me ressinto
me perseguem

como
do que me ofereces
pois ainda há fome
em mim
em ti
em nós

o espaço inflado
meio metro quadrado
meio quadrado
é meu

o caos reina
em ordem minha
minha miséria
está colada na sua

abaixo a cabeça, mas aguardo
ansioso para ergue-la
reconheço em mim
nossas ânsias
estão entrelaçadas
embora eu me ilumine todo
e tento.

eu consumo
e vivo,
espasmo muscular

enquanto ando pelas águas,
leve torpor

milhares de outros glóbulos
que me foram sonegados
pulsam
e por si só
são menos onerosos

as fibras musculares rompidas
a dois passos de mim

queridos vizinhos,
salvem-se se puderem
pois minha descoberta continua

dor lúcida
o iminente "só"

o que comemoras?
se em mesa tua
repousam as coisas
inanimadamente
animadas por vós?

há que se pagar um preço alto
por passar incólume às existências
facilmente sonegáveis

corpos que caem
e levantam-se

mais um dia na cidade
inegável solidão

partilhada!