segunda-feira, 26 de abril de 2010

"você não pode encontrar paz evitando a vida"

das dores que o conhecer-se traz como repertório, numa linda pasta preta com detalhes azul marinho.
palavras de alguém distante mas presente em mim!

"Caro Diário
Tenho lido compulsivamente os relatos de uma pessoa distante: eu-mesmo.
Aliás, de um “amigo” que mal me conhece, mas de certo modo estará inexoravelmente ligado a mim e me é bastante íntimo nos questionamentos e buscas.

Logo, não o posso definir como estranho, já que tenho, ao longo de minha existência, experimentado a dualidade que o invade no momento presente.
Naqueles desabafos me foi exposto o panorama do caos existencial que invade àqueles que buscam uma rota alternativa, a chance de experimentar algo novo, além do caminho preconcebido e imposto.

Em meio a tanta cegueira, a certeza da presença de criaturas dispostas a vôos mais altos reconforta-me, alenta meu coração.
Lançar-se na busca da verdade pressupõe necessariamente um processo de desconstrução, não há ganhos, sem perdas.
É preciso deixar de lado o que é estranho a nossa natureza e essência, nos deixar conduzir pela nossa intuição mais preciosa, já que dentro de nós a alguém que tudo sabe e tudo vê.
Um olhar atento para dentro, revela mais do que mil palavras.
Só se é plenamente quando somos capazes de nos entregar nessa busca, respeitando toda a ambigüidade que é ser humano.

A consciência de que sentimentos antagônicos nos invadem e habitam não nos é nociva, antes nos liberta, à medida que nos permitimos saber-nos bons e maus, conseqüentes e inconseqüentes, santos e demônios.

Não somos seres lineares, mas bipolares, o que nos permite uma infinidade de possibilidades de que o novo venha reformular o velho já existente em nós, renovando-nos (refiro-me àquelas verdades recebidas e internalizadas desde nossa mais tenra idade)...
Ser é querer ser.

Esse é o começo de tudo, o desejo e a consciência de que a busca de nossa verdade é vital.
Contudo, não podemos nos entregar a busca e “ser” plenamente, se nos prendermos ao “certo”, ao passado.

O novo pressupõe de alguma forma no aniquilamento em nós daquilo que passou.
Soterrar o momento vivido e seguir em direção ao futuro incerto, desconhecido, com todas as novas expectativas que encerra.

Essa aventura do “ser” efetivamente, viver do que mais há de mais genuíno em nós não pode comportar medo algum, esse sentimento nos afasta de nossa verdade, nos amarra ao aconchego que provem do presente seguro e certo.

Enquanto não se segue em frente, sem olhar para trás, permanece-se preso ao passado para sempre, sendo sombra do que se é efetivamente, parte de uma festa desconhecida e desejada.

UM BRINDE A TUDO QUE QUEREMOS VIVER...
VAMOS ABRIR O VINHO?"

texto de Branco, o garoto de preto interrompido.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Quando Deus chorou


De um minuto pro outro eu senti. E tudo a minha volta pareceu escorrer. De um minuto pro outro, assim tão naturalmente quanto você que me lê, resolve então me visitar, ou melhor, quando você quase como se seguindo a ordem natural das coisas...de repente está aqui.

Meu irmão,

Perdoa-me por inteiro! Eu senti meu querido amor irmão agora mesmo confundo a palavra. Amor / irmão. Me perdoa pois o que eu sinto é além. Além – mim.

Além de qualquer uma dessas letras possa expressar; de repente, de um minuto pro outro, como relógio que abastecido, corre e mesmo anunciado soa imperceptível. É o que se sente e o que se pode agüentar! Meu irmão, de repente, como que naturalmente cai a folha no chão tão suavemente senti a dor.

A do da partilha

A dor aguda da não compreensão!

Me perdoa pai

Me perdoa mãe, eu que como Deus entendendo os milhares de motivos tenta racionaliza-los no juízo, eu , hoje só sinto.

Sinto a densa capacidade, mãe do que tu que na tentativa de me fazer andar (a partir do confrontamento) tantas vezes não me compreendeu...

Me perdoa pai, por eu achar que tu devesse agir de tal modo! Me perdoa por ter julgado-te sem sentimentos nas vezes em que me ofendeu.

Me perdoa mãe, pelas inúmeras tardes em que eu, por preguiça não te atendi. Ou naquela noite em que me vinguei de ti, permitindo que adormecesse com as dores nas costas que tanto te afligia.

Me perdoa meu irmão, por ter dividido tudo contigo e não ter entendido o que sentiu quando me diferenciei de ti. Perdoa-me, estou em lágrimas em frente ao espelho. Tento falar é com vocês agora. Tento entrar em contato. Agora. Tantas vezes em que me senti estrangeiro em solos teus. Me perdoa pela dor daquelas vezes em que ódio dediquei por não ser entendido. Perdoa-me pelas escolhas que fizeram. Perdoa-me pelos inúmeros nãos! Perdoa-me também, pai, por te detestar sem sequer ter me fundido a ti na esperança de sentir o que borbulhava. Agora choro, transbordando sozinho. És castigo, punição!

Não quero me salvar, não tenho mais salvação! Antes de me perder por completo quero entrar em contato. O contato que neguei por ter me deixado levar pela fúria. O contato!

Hoje é a dor de minha própria incompreensão diante do não-entendo vosso que me dissolvo.

Hoje é a dor de tudo o que está para morrer e não tem o momento... uma hora, sequer um minuto ou segundo.

É a aguda dor que assola o mundo!

Hoje entro em contato com o que desejais para mim. Sinto o sal. Sinto o valor que um dia eu julguei não existir. Desculpe por isso também. Perdoa-me por julgar com tamanha veemência!

Me perdoa meu amor você também, por eu ter sempre a me poluir a cabeça uma incapacidade tua a tira-colo.

Eu também quero me fundir a você

Eu também quero me fundir a você pai

Mãe

Irmão

Filho!

Eu quero ser um contigo!

Eu quero por que agora me é dada oportunidade.

Agora meu corpo expulsa o que cultivei.

Sou o neutro. Não sei por que choro. Não sei por que sequer tento racionalizar o que se passa!

É porque choro que me escorro feito água viva do banho. E sem esperar nada ouço o choro de todos os outros! Eu apenas sinto. E entro em contato. Tento. Como se eu invadisse a vocês e trouxesse também a cura!

Sem querer. Involuntária forma de amar.

O amor é não entender!

Entro em vocês sem esperar nada. Só vem à minha memória tudo o que eu tive e me transformo em poça d’água diante do que tive sem saber. Nos inúmeros silêncios que me foram reprovados e contestados sem sentir ao calar-se, respeitava-me mesmo sem capacidade de esconder desaprova.

Hoje abraço! Como quem entra definitivamente em processo de fusão. Eu quero sentir mais. Hoje foi o dia em que Deus chorou diante da própria criação. Tudo o que sentistes vós ao longo de suas vidas, sinto o reflexo hoje se apoderar de mim e digo: estou sentindo a dor!

Meus amores Meu amor

A dor que ainda ontem exigi de ti que cessasse por ter admitido não compreender-me hoje me dobra também por eu não ter entendido-te

Pois até vós tentais fundir-se.

Julguei-me fadado a não compreensão, sem me dar conta que poderia eu ter entrado em contato com tudo o que não me compreendeu. E que até os que nada me compreendeu. E que até os que nada entendem, sentem por não sentir. E que ao tentar... a vã tentativa de fusão com o outro, também lamentam o fracasso. Pois até a natureza deve ser respeitada. E hoje colho o que plantei.

Poderíamos todos, antes mesmo de tentarmos racionalizar o que nos rodeia, entrar em contato.

Me perdoa pela incapacidade

Me perdoa pela inabilidade

Me perdoa pela inatividade

Me perdoa pela extrema emotividade.

Tudo o que há dezenas de vidas passadas adormecia em mim, agora, de repente, como de um minuto pro outro, o relógio corre secretamente, borbulhou!

E agora cuspo toda minha matéria líquida, que debaixo pra cima despeja viscosamente o neutro de mim.

Escuta-me leitor

Escuta-me!

Escuta-me pois creio estar sentindo!

Sinto sem saber. Choro sem saber nenhum por quê?

Transbordo por todas as dores. Sinto demasiadamente tudo o que tem vida dentro e fora de mim. É justamente por não saber ao certo que não me acalmo.

Sinto também o peso das lágrimas de Deus.

É como se hoje, toda minha criação me exigisse. E, sem saber, eu chorasse sozinho. Erupção de sentimentos!

Acordei de anos em repouso. Minhas lágrimas vieram sem saber que o secar delas mesmas trariam a fartura da terra. Minhas lavas vieram sem saber que enriqueceriam as mesmas fendas que abriram em meu rosto.

Toda compreensão é posterior.

Eu só sou capaz de amar sem completamente entender.

Admiro o que me é depois!

Amo o que me é agora.

Hoje digo com todas as letras: Não se preocupas!

Não serei mais ingrato que já fui!

Hoje meu Deus chorou. Simplesmente por existir. Diante de sua própria criação e diante do pulsar de cada individuo que nesse mesmo minuto nasce e morre. E por todos os outros que, agora mesmo, algo sente, descobre, revive. Eu mesmo acabo de nascer e agradeço por todas as formas de amor...

Eu que não tinha me dado conta que se ama muito mais o que não se entende. Hoje vos alcancei! Um a um. Me deixa entrar em contato.

Abra a porta, eu quero morar em todos vocês.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

por que o amor tem que doer?



saudades dos tempos em que te abraçava e beijava e descobria aos poucos o quanto te amava
saudades daqueles dias em que a noite enluarada
embalavava canções
e a gente se amava
saudades de mim
que te bebericava
que te tomava pra mim
e que se tu não fosses,
assim eu brigava

saudades das lágrimas
que as brigas derrubavam
e que a gente juntos
em noite amor
secava

medo do futuro
que a gente junto
sonhava

o mundo é um moinho
que tritura sonhos nossos
saudades de nós dois
quando eu te beijava

saudade é cor que fica da pessoa
saudade da espera
pra ver se o telefone tocava

saudade das mensagens
que não te deixavam dormir
enquanto eu em casa
não estava

saudade do dia
em que eu sem saber
apaixonado estava
saudade das palavras
e da água que a gente
se regava

são tantas dúvidas
que tenho saudade
do tempo em que o medo
não nos deitava

hoje estamos juntos
e me amedronta
a caminhada
será que toma rumo
que a gente não esperava?

turbilhão de sentimentos
hoje
sou amanhã e depois
saudade de não me preocupar
com o que ele guardava

não sei de mais nada
o sonho que ardia em mim
saudade de quando você sem saber
decodificava

as dores da manhã
as cores do amanhã
a beleza do dia
que parece não se importar
com o modo que passamos

nem como atravessados
nos amamos
...

terça-feira, 13 de abril de 2010

aurora de mim - crepúsculo de ti

eu, que abri uma fenda em mim mesmo
e permiti tua entrada
com a maior crueza que o tom pudesse interpelar-me

eu, que engoli meu orgulho
e mesmo crendo inocência
te procuro exigindo respeito

eu, que sem perceber
aflorei-te a maior dureza de sensações
desabrochei em ti a revolta
as custas de minha arrogância
suada
conquistada
por mim mesmo

eu, que mesmo arrogante
já fui vítima de egos mais inflados que o meu
não admiti, eu mesmo, que me tratasse por assim dizer
como se tivesses correta!

eu, que tive certeza não merecer
te leio mentindo
te pego desviando-me os olhares
que fizeste de minha intimidade?
por que não me procurastes?
eu, que desconsiderei tua incapacidade
naquilo que possuo maior facilidade
porque me tomando, me tomarias pra ti

tu, que não te colocas em lugar meu
tu, que me gritas a pior das maldições
tu, que julgas minhas intenções
tu, que me crucificas e me lancinas feito dor incurável
tu, que me mentes no início mostra-se com medo
tu, que teme abrir-se como abri-me
tu, misteriosa, condena e carimbas a maldição da prisão

eu, que preso dentro de mim
não pude 'me sair' de mim e te enfiar aqui
pra saberes como sinto
embora eu, também eu e cada vez mais acredito ser apenas eu
me coloques como tu
compreendo sim, tua ignorância

há ainda muito que a vida dilacerar teus sonhos
e talvez acredites mais no que sente o outro
e talvez respeite mais o que sente o outro
respeitando primeiramente o que sentes tu

NÓS QUE TEMOS APENAS
OS SENTIMENTOS
COMO BEM TOMBADO
COMO PATRIMÔNIO IMATERIAL
DESTA HUMILDE MATÉRIA
EM CONSTANTE DECOMPOSIÇÃO

ANTES QUE TUAS PAREDES CAIAM
SEM QUE FIQUES ESQUECIDA EM TERRENO
DE NÃO - LUGARES
RESPEITE TAMBÉM APENAS
AQUILO QUE NOS É MAIS PRECIOSO
VERDADEIRO
ORIGINAL

PRESERVE
REVITALIZE
SEMPRE
TEUS SENTIMENTOS
E OS MEUS
E OS DELES
E OS OFEREÇA EM BANDEIJA
COMO QUEM OFERECE FLORES
AOS INIMIGOS

SÃO ELES, OS SENTIMENTOS
QUE PERMANECERÃO
EM MIM
EM TI
NOS OUTROS
VAGANDO DE CORPO EM CORPO
DE CANTO EM CANTO
QUANDO NADA MAIS PUDER SER REFORMADO

"todo muro é ótimo, desde que sustente o teto"

acontece


acontece que nem eu entendo o que acontece
dentro de mim é como se acontecessem inúmeras coisas
e nada
simplesmente nada acontecesse de fato
é porque nesse primeiro parágrafo
acontecer é simplesmente finalizar

mas acontece que dentro de mim então nada acontece
pois começo e começo
e nada termino
não sei como vou morrer
provavelmente vai terminar repentinamente
e eu vagarei
achando que estou vivo
afinal
tudo é assim em mim

descubro sentidos de um ano inteiro transcorrido
e há um ano atrás, sequer fez sentido
simplesmente brotou
sou lento
devagar
lerdo

nem percebo
a percepção é como um processo ainda manual
nenhuma tecnologia me foi implantada
sou ainda como o doce de leite mineiro, que apura no fogo por horas
ou talvez o queijo, que amarga longos dias
sob as moscas
embolados nas folhas de bananeira

tudo em mim corre como quem flana pela cidade
durante a madrugada
sentindo o cheiro do orvalho
ouvindo ao longe um samba que de tão triste lhe soa felicidade!

vou vagando por mim mesmo
e quando abro o caderno
depois de décadas
será eu quem escrevi?

depois de um tempo, descubro...
o que me era sentido agora se concretiza

penso e formulo
como quem pinta um painel
primeiro o fundo
depois a frente
espera-se a secagem

e sobrepõem-se cores e mais cores

demoro pra colorir
demoro pra entender
demoro pra decodificar
eu ainda uso códigos comigo
mas não percebo

desligado
ou ligado demais
começo
e nada termino!

não tento entender-me
simplesmente vou levando
e o surpreender-se com o compreender-se
mesmo que décadas posteriores
ainda é, pra mim, envolver-me!

domingo, 11 de abril de 2010

brutal(idade)

não se sabe ao certo o que me faz explodir

se é uma palavra atravessada
que me atravessa a carne

ou se é a incompreensão
que me dilacera a alma

é como se tudo o que há de valioso
em mim
escorresse
e de um segundo ao outro
o filme da vida rodasse de uma outra maneira

a visão de quem está pra fora
de nós!

prefiro um tapa na cara
a um tapa n'alma
ao ser invadido pela dúvida: 'exagero?'
pior!
quando quem tem por obrigação apoiar até suas incompreensões
(por mais egoísta que isso possa ser)
lhe encara como se fosses uma completude... de desnecessidade
de sentimentos
e ...excessos
de impressões

a dor da incompreensão me causa ódio
imediato
e ataco
quando a partir dela, despreza-me
quando por simplesmente não entender
não consideras
e não respeitas

até eu fui obrigado a me aceitar!

é que eu jamais
acreditei no amor festivo e pomposo
sem saber que esse amor, transforma em rito
qualquer tipo de incompreensão
e sem perceber, a oferece
feito perfume, flor, espelho e pente a Iemanjá
em dois de fevereiro!

sempre fui de brigar
meu modo sempre foi brigando


se traduire

sou um animal sentimental
me apego facilmente ao que desperta o meu desejo

uma parte de mim ama
a outra odeia

uma parte de mim se anima
a outra se entristece

enquanto uma parte de mim se fecha
a outra se prepara para abrir-se

sinto que há dois, três...
e a outra, tenta se afirmar como única

não há como abafar as vidas de dentro de nós
pois enquanto uma delas viva
a outra, outrora, deseja parar de viver




enquanto uma aperta sempre o botão da vida
a outra, esquece-se de sua existência
e vive sempre do lado selvagem

enquanto parte de mim encontra perguntas
ouvindo bethânia
a outra acredita ter respondido todas
ouvindo baladas popularmente estrangeiras
se coloca a dançar, como se comemorasse alguém
ou seria algo?

a outra a despreza pois se pergunta 'o que queres comemorar?'

enquanto uma delas sente-se rejeitado
por causa do beijo da manhã
que não chegou
a mesma o cobra com tamanha fúria
que parece estragar o resto do dia
a outra, parece esquecer de tudo
e se põe a lembrar dos momentos
que se assemelhavam ao que se acredita ser a 'felicidade'

existe também a outra parte que pensa ser pai
há milênios
que acredita ter criado toda a humanidade
e explicar todos os fenômenos naturais
com uma certeza inabalável

enquanto essa mesma parte se congela
a outra parte se preocupa em esquentar o corpo
pra que o molde não se endureça
para que a outra parte, paradoxal à ela depois não morra

todas as partes fazem o conjunto.
a unidade
compõe-se
da comunidade

a humanidade
compõe-se
de uma comum-unidade
ser-humanidade
ser-humano

enquanto uma se embebeda no sábado a noite
e se preocupa quando o sábado chega ao fim sem um porre
a outra, encara o final da semana como o começo da próxima

enquanto uma com certeza vai se preocupar com a segunda-feira
a outra odeia o domingo, mas tem de recomeçar

enquanto aquela que ontem se sentiu rejeitada
se fecha, na esperança de alguém abri-la
a outra a classifica infantil
és homem, és parceiro

enquanto uma sonha em ter o teto todo seu
a outra se compadece, e segue a regra
é a vez dos filhos!
e a outra fuma em lugares fechados
quebra as regras, segue não se sabe o quê!

metade de mim se pesa, pondera
a outra delira de ciúmes
o ciúme que a outra parte acreditava não exisitir
esta parte assumiu
e a tentativa vã de descobrir
é vida
ou é morte?

uma parte morre por amor
se enlouquece
a outra
se embebeda
da realidade
que não sabe explicar

algumas dessas
separam vivências
e chamam 'fases'
outras, desprezam tal conclusão
e ainda se abrem
pra novas descobertas
acreditam na unidade
repleta de diversidade
diversos
num uno

a parte de mim que pondera
parece ser lúcido
parece cobrar mais aos outros
que a si mesmo
não sei especificar qual parte de mim questiona agora:
aonde está a sensatez?
incoerente!

sim. se existe uma palavra que talvez classificasse a todas elas
seria: incoerente.
seria....ou é?
droga. não sei mais qual metade escreve
e qual metade comanda.
talvez seja aquela mais imparcial.
não quis entregar a outra metade, composta de outras partes
sabe que depende também delas
para que cresça
que tome dimensão

uma parte resiste
a outra se entrega
e desiste
a que resiste
culpa a outra pela desistência
que à ela é fraqueza
a que desiste
lamenta, a normalidade daquela que acredita
em palavras-feitas e lugares-comuns

vive-se assim
basta apertar o botão
para que a luta comece

a morte não existe!
a luta, é eterna.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

anosmia



e quando a noite fica fria
o dia nos aquece
a tarde nublada
anuncia a chegada de frente fria

que atua só a noite
e quando a janela do banheiro fica aberta, pra sair o calor
do banho quente
a gente dorme com o nariz de fora da coberta

a corrente de vento, obedecendo as leis da física
entra e faz passar, por entre os rostos
as narinas
amanhece o dia, a casa já absorvera todo o frio
faz mais frio aqui dentro
que lá fora

e a garganta arranha
o nariz escorre
e nem comer mais me dá prazer
até o pum fica 'insosso'
sem sal, sabe?

e durante o dia
eu passo assoando o nariz
que até queima, de tanto papel roçando aqui

durante o sono, eu acordo sem ar
tá tudo entupido!

ainda me arrasto em busca de tudo
e tudo de uma vez
mas ainda rio
da vizinha que assusto dizendo 'boa tarde' bem alto
quando ela vinge não me ver

ainda me compadeço ao presenciar
o porteiro mais gentil do prédio
ser maltratado por qualquer criança mimada

mesmo sem sentir o gosto do salsão
e do molho verde
eu admito: ainda estou vivo!


terça-feira, 6 de abril de 2010

surpresas




naquele domingo, em que tarde daquela mesma tarde, voltava de reunião amigável onde havia tragado o diazepan-natural, meu 'dentro' de mim mesmo, assim pacificamente, deixara de ser neutro diante da urbe escurecendo. sempre que queimo e trago, prendo... prendo pois é a libertação. me desprendo de mim, e vou vagando... sentindo o mal cheiro dos pombos, que de ratos voadores, transformam-se em lindas corujas gordas, flanando entre a catedral, a coronel marcondes e invadem sorrateiramente a praça da bandeira...doidas para se livrar do julgo comum que as chamam fétidas e transmissoras de doença. parece até pensarem, 'quem pensam eles que são? o banheiro público, lotados de rapazes e moças 'bem' intencionados, como conseguem permanecer ali diante de tanto cheiro de xixi?'.

senti a água que respinga da fonte [e dos corpos dos pombos] cair levemente sobre meu rosto, havia cheiro de água-quase-chuva também!
meus ouvidos ouviam o bater de suas asas, o barulho da pipoca estourando nos carrinhos dos vendedores: 'que pipoca diferente será essa? por que a que eu faço em casa, nunca fica assim?'. parece ser possivel ler seus pensamentos... talvez o segredo seja tão simples quanto uma colher de chá de açúcar de confeiteiro, ao invés do açúcar cristal! ou seria o refinado?
essas vozes se ocultaram, pois eu pude também ouvir o ronco do sujeito que derrubado não sei por quem nem por quê, babava contorcido no banco da praça.

ao longe, só podia ouvir as vozes que se revezavam no palco mal projetado, que a mim, jamais receberia público digno nem muito menos boas vozes. me enganei redondamente! naquela mesma tarde, fim dessa exata tarde, quase noite, a platéia estava lotada! e no palco, gentis cantores, embalavam-nos em melodias tristes de sons e parafernalhas auditivas [ainda assim notei o áudio estourado] quase que precária! talvez os críticos ressaltassem a falta de rigor do público que ali tomava a praça do centro de uma cidade de província, do lado oeste do estado... eu, eu estava ali. eu fui embalado por esses sons. eram musicas brasileiras, eram baladas tristes, melancólicas.. alternavam os idiomas, um italiano arranhado, talvez de um morado dali perto que toda vida nutriu paixão pela língua estrangeira [muito comum entre os habitantes de tal cidade: cultivar o que há lá fora, sem deixar a empáfia interna!], que talvez tenha conhecido através de algum ancestral que imigrara ali, para cuidar dos cafés! como eram grandes tais fazendas!

eu confesso que não conhecia tais baladas, até cantarem aquela que diz 'um dia, gatinha manhosa, eu prendo você, no meu coração! quero ver você fazer manha então! presa no meu coração! quero ver você!'. e eu vibrei! calado! público muito educado, embora alguns ainda estivessem de costas, muitas senhoras tinham leques e tentavam quase que inutilmente cessar calor! 'mas ha essa hora!' talvez se ouvisse a trezes metros de distância! ou seriam quatorze?!

surrealismos a parte, quis firmar meu pé no chão! ali, nesse exato momento, enquanto o cantor errava o refrão [não teve importância! era lindo demais!] tive vontade de enquadrar a fonte da praça, eu queria mostrar que aquilo era a cidade que eu havia nascido! e inutilmente eu pensava: mas como não divulgaram! nada ali era programado... aquele sonho, em que eu pude sentir toda a força do que existia, (mesmo que na noite de um domingo, dia morto, dia odiado, pelo começo que precede o dia seguinte) era puramente voluntáriol! olhei à minha volta, haviam também mendigos! logo notei, o público e o 'show' eram frutos dos próprios moradores dali. também havia proximos a mim, dois amantes, no escuro abaixo da copa de uma árvore de médio porte, tudo gravei! eu estava mesmo em Prudente!

meu telefone tocou! era meu amor! e aquele amor, que eu, classifico e chamo e creio ser meu, furiosamente questionava! afinal, há muitos minutos eu ainda disse que havia acabado de pular do carro na praça! como eu quis poder dividir com meu amor, aquele momento!
meu amor estava no alto de um prédio, concretando não sei o quê: seria o amor por mim, ou seria a dúvida: 'aonde será que ele está agora? talvez tenha mentido pra mim, quando disse que saltara ainda há pouco na praça, sim, porque se assim fosse, já teria dado tempo de teres chegado!'

justifico e digo, já vou! é quando a senhora, que eu ainda ouvia há pouco disparava elogios enquanto o outro cantava,se abanava, se abanava (de maneira expansiva) assumiu o palco, agradeceu e cantarolou mais uma triste melodia!
que noite feliz aquela, em que eu assisti, ainda que tímido e com certo desconforto por obter em minhas mãos algo de valor-matéria (nem meu era, tive medo de ser culpado pelo sumiço, pelo roubo.) mas mesmo que timidamente, sentado ainda pude registrar esse dia, que jamais esqueceria.
o que eu tinha de mais valioso ali, pulsava irregularmente dentro de mim. se eu fosse um personagem clariceano, talvez acreditasse ser pressão alta!

o dia em que a cidade se vingava de mim!

voltei ao encontro de meu amor, e o que me incomodava era sim o fim daquele cigarro!
eu queria mais! se eu pudesse prolongaria aquela noite, para até o resto de mim, ainda que mais a frente, minha febre ameaçasse cessar, e talvez quem sabe injustamente eu considerasse ter sido um sonho.

o dia em que a cidade se vingou de mim!
.




segunda-feira, 5 de abril de 2010

"artístico demais"




o moinho do mundo
que tritura
e devora
sem decifrar-te
em pouco tempo jamais será quem és

enfeitar-se sempre
inventar-se sempre
para a constante invenção

máscara sobre máscaras
aonde gordos representam
possíveis bombas atômicas de
pressão alta

alta pressão
em exércitos
repletos de viados
de aspirantes ativos
a generais passivos
a observar os corpos nus
daqueles que lhes são subalternos

submeter-se
ao que não és
para alguém que acredite

acredita-se?
aquilo que está na entrelinha
e nunca é dito
nunca pula da boca
só entra no cu
com palavras delicadas

é artístico demais
é sempre o mais
"o problema não é seu
o problema é nosso!"

problemas?

problema nenhum
que futuro promissor
tens e terá
mas não conosco!
você não se encaixa no perfil
que buscamos

o que buscas?
alguém pra dominar
alguém pra sugar
e depois jogar fora?

plano de carreira
que descem pelas ladeiras

e lá embaixo
sem eira sem beira

especial, com gosto de espacial
a viagem que só você faz
"você é demais pra mim"

que mercado é esse?
que contrata cadeirantes não por crerem em suas capacidades
mediante lei?
que inclusão é essa?
"nossa empresa acredita no ex presidiário"

mas toda vez que sumir
do caixa, cinquenta reais
no final do dia
é do ex-ladrão que se esperaria
a confissão que viria

prevenir-se
o mundo é dos espertos!
meu pai já dizia!
depois quando faltar demais no trabalho
não me diga que não avisei...

eu bem que vi
era bonito demais!
conquistou a todos..
na reunião, ninguém prestava mais atenção em nada
que não nele...
como falava bem!
confundiu os subalternos
toda ordem era até excitante vindo dele

então ele foi demitido
mas sempre cobiçado
em seu lugar
o feio teve espaço
cresceu
cresceu
sem ser desejado
era chato
pois era feio

e te perguntam
'o que pretendes aqui?'
(DINHEIRO)
não se pode dizer
e quanto mais se cobiça o sonho
menos se torna realidade, parece

o importante é demonstrar interesse
aonde não se tem interesse
e dizer
aquilo que deve ser dito.

mas quem nunca aí mentiu?
eu já!
mas como MENTEM os filhos da mãe!
e como acreditam!

sexta-feira, 2 de abril de 2010

é tão tarde! a manhã já vem...


na manhã do feriado, a música do gás até parece anunciar o fim do mundo.
tudo é tão silencioso que chega a doer. e então ela grita, ao fundo lá atrás.
o que quer o gás a me atordoar.
me deixa em paz, hoje é feriado!

a dor do amor é a incompreensão!
por que o amor não compreende...
como é dificil toda incompreensão... do ser amado. não tenha a intenção de compreender tudo, na tentativa vã de transformar os 'eu entendi' em oferenda, pois assim, ritualiza-se. transforma-se em divino? algo tão terreno e palpável.

transformar-se em seu chão, chuva, fado, bardo, um seu eunuco, um seu soprano, sua cama, rádio, seu avesso, casaco, asfalto..
escorrer no seu cabelo, em seu itinerário.
configurar-me seu paradeiro.
onde você está agora?

escrevo, rasgo... pois te encontrei nas linhas.

ainda exijo! por favor, decodifique-me.
a dor da não-compreensão é o amor.
é a dor! de não saber como dois seres, tão diferentes podem viver sabendo que não são e nunca serão 'uno'. como eu queria! unir o que há em mim ao que te habitas. mas não passa de um sonho! quantos amantes não desejaria o mesmo?

aqui de fora, olhando pra dentro dela. como se só meia-pele fosse... há algo de impermeável!
é preciso virar-se de cabeça pra baixo!

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Uma parte de mim é todo mundo
Outra parte é ninguém
Fundo sem fundo
Uma parte de mim é multidão
Outra parte estranheza e solidão
Uma parte de mim, pesa e pondera
Outra parte, delira!
Uma parte de mim almoça e janta
Outra parte se espanta
Uma parte de mim é permanente
Outra parte se sabe de repente
Uma parte de mim é só vertigem
Outra parte, linguagem
Traduzir uma parte na outra parte
Que é uma questão de vida ou morte
Será arte?
Será arte?
(Ferreira Gullar)

manhã fria


uma leve dor de cabeça me desperta
sou o primeiro da terra dos homens a levantar da cama
o resto
todos dormem

é como se eu tivesse recebido como castigo
o despertar do mundo
por ter chorado

meus olhos inchados
o cheiro do álcool
ressaca de cigarro, mesmo acendendo um logo em seguida

ontem tudo foi tão forte
eu tive medo
e ainda tenho
mas é o medo do que é alheio a mim
que me lança de encontro
que me joga pra frente

eu mesmo me seguro
como uma âncora de salvaguarda
quem sabe, se não é preciso lança-la?

o que é verdade pra você?
o que você crê ou o que te dizem pra crer?
o que você é ou o que te dizem pra ser?

quinta-feira, 1 de abril de 2010

pele

embriagado
minha pele se torna mais clara...
ao virar meu rosto, tudo em volta torna-se arredio
como se fugissem
não sei de quem

mas não fujo eu
vou-em ao encontro
de mim mesmo

como se fosse em busca de si mesma, aquela mulher embriaga-se
as vistas parecem captar o que normalmente lhes passam em branco
as cores se intensificam
ela mesmo se vê, mais colorida

pensa nas perdas
medo da morte
entre um gole e outro, procura entrar em contato com si mesma

quando a conheci, julguei fuga
mas que julgamento poderia ser esse?
nada além de conceitos estabelecidos, sem ter sentido
abaixo da mesma pele... da mesma cor

não sei mais o que é ela e o que é a bebida
a mim
ela é verdadeiramente aquilo que se torna quando bebe
ela bebe pra ser lúcida

quem é ela, a mulher que observa os pássaros
a mulher que desde criança
se põe aos telhados
e fica por horas
observando-os

tem medo da morte
tem medo do não ser reconhecida

ela, que me pergunta: 'o que ainda faz a me ouvir?'
eu nada respondo
mas penso

debaixo dessa minha pele, eu espero
também encontrar-me

subo em meu telhado, me ponho deitado sobre meus barros
moldados em alma minha

como ela.
mas não observo pássaros.
observo a mim mesmo.

desenho.
o que há além de nós?
o que aprenderemos nesta vida?
uma só vida será suficiente?
só observo e desenho.
desenho
desenho

diazepan verde

"A Velha tese: com um bom fumo em cima, o coração acharia os caminhos por onde enviar suas mensagens. Um bom fumo, entretanto, não inventa mensagens. É preciso que em alguma parte de nós ela esteja escrita com uma tinta qualquer que as longas tragadas acabem tornando vísivel. Depois, é caminhar a partir do que se descobriu, mesmo quando passa o efeito - até que as mensagens sejam tão fortes e espontâneas que apareçam, com toda a sua novidade, com ou sem fumo." (Fernando Gabeira)

como antigamente

viver sob pressão
aceitar carão
depressão
aflição

viver perdido
sem ter morrido
nem tão vivido
ter se esquecido

viver a procura
da própria ternura
cessei com a doçura
que medo da amargura!


saudades de mim
procura de mim
salvar-se
desse novo 'mim'
que configura aos poucos
o novo 'eu'

medo do novo
voltar as origens
como antigamente
eu levantava
sair do não-lugar
fingir adentrar
a realidade
inventada
creditada
acreditada

saber separar
o que no inferno
não é inferno
e abrir espaço
dentro de mim
dentro de nós

se hoje, é assim.
eu ainda prefiro
como antigamente.