Mas acontece que eu não posso me deixar

sábado, 20 de julho de 2013

o dia em que a palavra foi quase

fluido e natural, a palavra está em mim feito tua respiração na minha. e é tamanha a simplicidade com que, amortecidos pela idéia de continuidade, deixamos de aprofundar o que em outros tempos nos foi tão fácil o acesso.
o tempo deposita então sobre nós suas folhas caídas e secas. 
permanecemos então esquecidos do que outro dia fora apenas rito. tão fácil o acesso à rotina que simples, esquece-se. tão importante me foi ofertar o que sinto e aqui a dificuldade para a que a palavra saia da boca, as frases ficam pela metade. a fluidez de um ano, o peso do cotidiano. a transparência do que se sente turvando-se ante aos impuros ares das cidades em que ando.
tão natural deveria ser a fluidez com que saem de minha boca mas agora em silêncio escrevo-te e é em minha cabeça que as pronuncio silenciosamente.
se a palavra é meu domínio sobre o mundo descubro agora que não domino então o que eu sinto, tão árduo o caminho da compreensão do que se sente e de suas propriedades, profundezas e desdobramentos.
não sei o que será de nós após este final de semana. mais, (aos poucos me recupero desta perda de memória recente) muito mais que o imediatista desejo que sobrevivamos à distância encurtando-nos ideologicamente. o que é o que eu sinto por ti senão um encantamento filosófico? nalgum dia o brilho acaba, seja pela morte do ser seja pela morte do estar também, e então desencanta-se. logo cultuo o que tenho por mim enquanto vivo, dotado não pela insistência de deus em que todo cacto deve explodir espinhos de vida e de que o universo inteiro é dotado do viver, insistentemente vivendo; mas o que disponho de mim sobre ti e de ti sobre nós - eterno equilíbrio - entre mim e os deuses, entre o eu e o tu.. eterna influência lispectoriana que me impele a respirar o que desconheço e preservar inclusive meus defeitos a me sustentar em pé. 
e o que disponho da gente é a minha aspiração de vida ao me deparar conosco. este é motor, este é o meu impulso de vida. vida a dois. é estranho que há um ano atrás eu tenha, a esta altura escrito mais de dez páginas e hoje eu esteja equilibrando-me entre o deixar fluir-me na escrita e voltar atrás a suprimir repetições, eu vagando entre a frustração de uma fome ainda não saciada, pelo que experimento ante minhas frustrações diárias contrapostas à ouvir tua voz, teu riso, tua gargalhada por uma piada que só você mesmo para achar graça!
fruto da solidão que só quem ama é que tem conhecimento, mesmo a mais distante das amantes se aproxima com uma velocidade impressionante de seu objeto de desejo. o que antes de ti era objeto, materializa-se e voilà estou diante de você e não lhe defini anteriormente: objeto quase, tratava-se.
e neste exercício diário de afirmação é que habito.
a afirmação do que desejo de mim contigo e de ti comigo também. tão difícil deixar simplesmente que seja! eu, apaixonado por saber que mares navego.
é demais para os outros mas o ideal para mim: saber ao menos a direção em que inclino-me. 
muito além de ser por você pelo que és e por mim pelo que sou é pelo que sentimos quando unidos. a preservação então do teu patrimônio em mim. e o tempo? com o tempo deixa-se claro o que é antigo e o que é a mais atual das intervenções, profunda relação entre o que nossos desejos em marés de sal e sortilégio fazem surgir e ruir dentro de nós. aos poucos sobem estatuetas aqui dentro, calma e sutilmente minha boca esvazia-se de ti, 'a tua boca anda oca da minha língua'. 
e é dentro deste edifício em que ora habitas, ora visito, é que a atuação do eu-histórico se revela, jamais quer apagar os traços do tempo 'a açoitar o mastro' mas com a mais objetiva das separações: aqui estaremos então diante do mais antigo desejo romântico em ver-te em árvores estáticas de um dia de sol; e ali partilho de minha mais nova respiração a compassar-se com a tua, em memória daquilo que fomos na última vez em que nos vimos e que faltou tempo para tratarmos daquele assunto importante.. preferiu-se calar e assim entender. 
confesso que me dá vontade de escrever cada vez mais, como se aos poucos as novidades pulassem em minha frente e assim nunca mais seria permitido dizer apenas 'meus parabéns'. 
para além de parabeniza-lo pela sua existência, estou mais feliz por existir em nós dois. para além de um ano a mais, que estejamos há um ano de mais um brinde por nós dois. 
daquele objeto materializa-se a faceta afetiva e emocional que eu atraí em todos os ritualísticos pedidos: que tivesse então um olhar afetivo.
tua empatia me inspira. tua aresta lunar, sentimental, ora fria e distante e não surpreso permaneço diante da dificuldade da expressão, embora as sensações sejam mil, mesmo gris.
é como procurei então me organizar. muito além de planos, eu quis romper com o molde e ir de encontro, a longo prazo, ao que eu poderia construir cotidianamente ativo. não se pode abandonar por completo algumas estruturas tão historicamente embasadas.
você está presente em todo o meu cotidiano. inclusive no meu esforço em deixar claro o contrário! para que então não te acostumes em compasso ao teu ascendente taurino, disposição dos astros, com esta constância do sentir, tão necessária também ao meu sol. alimentemo-nos, pois algo me soa complementar no que sentimos. e não tenhamos medo do embate, mas que então a disposição do eu junto não se quebre jamais exceto perante a morte biológica, sinto dificuldade em lidar com a morte filosófica. que o nosso ciclo perdure então e assim encontremos paz em nossas mesas de café da manhã depois de termos despertado de uma 'noite de quem sou eu com você' a perder de vista os minutos: seu peito sobre o meu, teus pêlos sobre os meus pêlos.
tornei-me esta colcha de retalhos linguísticos e é a mesma técnica que utiliza-se para tecer também o que sentimos um pelo outro. eterno fiar, eterno fiar, eterno fiar, eterno fiar diário, diário fiar tecendo o que nos cobre, o que nos alimenta e esquenta e nos qualifica. diário exercício do outro e do que o outro pode dizer de mim. 
.

feliz aniversário pela pergunta
feliz aniversário pela diferença
feliz aniversário por todos os meus defeitos
e pelos teus também
feliz aniversário por existires tão insistentemente em mim
ao despertar que tu me acompanhe
e ao deitar que estejas ao lado meu.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012




O
 Lago

No verdor de meus anos, meu destino foi só

habitar, de todo o vasto mundo,
uma região que amei mais do que todas,
tanto encantava a solidão
de um lago selvagem, que cercavam negras rochas e altos pinheiros, dominando tudo.

Mas quando a Noite, em treva, amortalhava
esse recanto e o mundo,
o vento místico chegava,
murmurando melopéias,
 
então, ah! sempre em mim se despertava
o terror desse lago solitário.
o era um terror, porém, de espanto,
mas um delicioso calafrio,
sentimento que as jóias mais preciosas não inspiram, nem fazem definir;
nem mesmo o amor, nem mesmo o teu amor.

Reinava a Morte na água envenenada
e seu abismo era um sepulcro digno
de quem pudesse ali achar consolo
para seus pensamentos taciturnos,

de quem a alma pudesse, desolada,
no torvo lago ter um Paraíso.

Tradução de Óscar Mendes e Milton Amado do poema "The Lake" de Edgar Allan Poe.