quinta-feira, 1 de novembro de 2012




O
 Lago

No verdor de meus anos, meu destino foi só

habitar, de todo o vasto mundo,
uma região que amei mais do que todas,
tanto encantava a solidão
de um lago selvagem, que cercavam negras rochas e altos pinheiros, dominando tudo.

Mas quando a Noite, em treva, amortalhava
esse recanto e o mundo,
o vento místico chegava,
murmurando melopéias,
 
então, ah! sempre em mim se despertava
o terror desse lago solitário.
o era um terror, porém, de espanto,
mas um delicioso calafrio,
sentimento que as jóias mais preciosas não inspiram, nem fazem definir;
nem mesmo o amor, nem mesmo o teu amor.

Reinava a Morte na água envenenada
e seu abismo era um sepulcro digno
de quem pudesse ali achar consolo
para seus pensamentos taciturnos,

de quem a alma pudesse, desolada,
no torvo lago ter um Paraíso.

Tradução de Óscar Mendes e Milton Amado do poema "The Lake" de Edgar Allan Poe.

terça-feira, 29 de maio de 2012

cotidianamente odiável


perdi minhas tardes solitárias. o cotidiano é uma desgraça expressa no almoço da classe média baixa na sala de jantar e em silêncio ensurdecedor. acentua-se ainda mais quando exijo meu direito ao grito e ele é abafado por um pedido rude: 'é possível que você se cale?'... tão arcaico quanto a necessidade de expressão do homem!

não consigo suportar nem de longe os noticiários futebolísticos característicos deste período do dia e as louças em cima da mesa com bagaços de laranjas descascadas com as cascas em caracóis. nem a necessidade de açúcar é capaz de felicitar-me. sem bicicleta com cestinha para sair andando o terremoto na itália parece ter reverberado por aqui no meu quintal.


quinta-feira, 24 de maio de 2012

autocêntrico



é na agulha grossa em que meu cotidiano se enovela
que aos poucos costuro-te em mim
então desabrochas feito tecido mergulhado em tinteiro
e emerge sua imagem
foi na tarde em que descalço fumava e de repente o anoitecer veio de baixo
pelos pés frios que senti a noite que se anunciava em fulminantes ventanias 
diante da evidência cabal que em presságio surgiu 
com o ato público da exposição de mim 
(secretamente estivestes comigo)
o tabu da humanidade é lidar com o próprio corpo



o meu e o teu 
contentes,
meus pelos 
inclua também os que ficaram sobre o leito
sobre a imensidão de tua pele 
são testemunha


foi da nascente que surgiu
de nosso encontro
encharcando o lençol
que retiro meu presente 
o próximo e o distante
completando-se em força física
a força de amor aparece no mínimo
quando nossos corpos interagem


a força que nos guia
é na calma e na leveza
que se encontra a face de nós dois
é a vereda que entramos
à passos
lentos, que continuamente
atrairão meus polos
junto aos teus

segunda-feira, 21 de maio de 2012

é chegada a frente fria


o presente perece a medida em que o amanhã torna-se mais esperado que a próxima hora, o próximo minuto, segundo. eles estão a anteceder e permear a chegada do tempo outro que, espera-se traga consigo boa aparência.
vivendo entre a linha tênue que separa imperceptivelmente o hoje do amanhã, que se desfrute de uma tarde de trabalho intensa, seja dentro ou seja fora. não foi possível encontrar palavras para dizer o que me invadira: a URGÊNCIA em deixar de pensar se o concreto vale a pena se a alma de quem o concebeu não for pequena. a vida útil de uma pedra é de milhares de milhares de anos, mas a caverna desenhada e enfim em pé alí está para ser destruída, modificada, ampliada.. algumas sequer deixaram de ser idealizadas, foi no papel que encontraram morada. assim a frente fria invade o céu daquele recente bairro em que brotam novas cavernas, de infindáveis formas, úteis ou não, funcionais ou não ali estão para ser observadas e algumas até possuem jardim. outras possuem poços que ousam intitular piscina. todos os defeitos estão também para ser visualizados. o amanhã há de chegar e será possível que se veja totens erguidos a completar a cada ano,  um ano a menos de sua vida útil ante a paisagem de um bairro resumidamente residencial. a vida prática é feita de sonegações em suma. questionar-se será o mais novo estagnar-se ante às opções, cada vez mais escassas. está chegando o momento em que poderei destruir a medida em que erguerem as paredes: me desconstruindo. é chegado o momento em que levantarei construção, fruto de pequenas destruições. "todo muro é ótimo, desde que segure o teto".