quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

última parte: o alarme dispara e o filme acaba.




quando entrou o silêncio entre nós e a ação partiu de mim, o que outrora ainda pairava às sombras da incompreensão hoje encontrou alento no ressoar do alarme.
o alarme disparou e segundo seguinte, cobriu-me a barriga com suas pernas e sentou-se. me aqueceu sem que eu pedisse, mas foi embora sem que eu o fizesse também.
com o mesmo silêncio que me deixou descoberto e nu diante das paredes inanimadas da sala de televisão, fiquei ali a encontrar justificativa para o beijo negado. quando do momento em que o alarme soou passei minhas mãos já aquecidas pelo meu torso e me senti então repleto de uma sensação incrível que não conseguiria descrever. e o indescritível continua aqui comigo embora ele tenha deixado pra trás a casa já sem insetos e com o chão limpo; ainda ontem estive eu a higienizá-lo.

eis que nos separamos e hoje acabo por entender seu sumiço: para que não mais o apavore o terror de minha respiração, como o tempo que açoita o mastro dos barcos e as rajadas de vento chicoteiam as velas - em sua mandíbula trêmula.
oferecestes tuas duas faces a fugir de minha boca que buscava o atalho para a fuga no mesmo minuto em que escutei lá atrás alguém dizer meu nome.
pois que a vida é tão insignificante quanto os minutos que tilintam nos ponteiros dos relógios de parede das casa, ou os digitais no microondas, de hora em hora como quem conta até dez pau-sa-da-men-te.
não mais procurarei meu flagelo, pois ainda ontem lhes disse que aceitei minha condição e a partir de agora vivo apenas de mim. pois "a pessoa é para o que nasce". e não fui nascido para ser deixado para trás, não haveríamos (eu e minha mãe) de termos suportado a dor do parto para que outras dores viessem paulatinamente me assombrar.

já tua presença não se faz necessária, nem teu corpo pois descobri ainda agora os lençóis embaixo da cama.

pois que hoje quando ainda sobre meu corpo ele silenciosamente desejou ir embora, foi como se o senhor dos relógios soubessem e neste mesmo segundo, no intervalo de um microssegundo para outro: o alarme gritou. ainda deixei alguns minutos, pois que seja então decretado o estado de emergência!
questionou-me se eu não ia desligar enquanto se arrumava. meus pés queimaram no caminho até o relógio e desliguei. foi-se. e não levou consigo nada de mim.
trouxe pouco... e leva ainda menos.

o novo ano que lateja nos presépios, entre um burro e uma cabra, trará consigo o passar do tempo, o acordo já foi feito. no tempo será deslocado e não estarei aqui para assisti-lo desbotado.
pois que a partir de agora em diante tu serás, a mim, para sempre desimportante.

há que conviver com sua culpa enquanto constrói aos poucos sua vida de areia sobre pedras deslizantes. e eu? eu continuarei só.
só que longe.

*

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

eu aceito



nova era no lar. onde a atmosfera solitária enquadra meu autoretrato.
onde minhas tarefas confundem-se com minhas reais necessidades e o que tenho de mais precioso custou-me cinco reais.
a era recém-inaugurada traz silêncios e vazios cortantes consigo e o que busco é aceitar, resignado minha condição.
o telefone toca, mas hoje não vou atender ninguém.
silencio-me perante o chão de um gris brilhante. corto o alho e preparo o arroz ao som do nada e o que me resta é a profunda sensação de que serão sempre as coisas tal qual o foram na origem.
o que modifica-me é o verbo conjugado.
todo o dia é um mistério pisado.
seja bem vindo a este lar dedetizado!