acontece que nem eu entendo o que acontece
dentro de mim é como se acontecessem inúmeras coisas
e nada
simplesmente nada acontecesse de fato
é porque nesse primeiro parágrafo
acontecer é simplesmente finalizar
mas acontece que dentro de mim então nada acontece
pois começo e começo
e nada termino
não sei como vou morrer
provavelmente vai terminar repentinamente
e eu vagarei
achando que estou vivo
afinal
tudo é assim em mim
descubro sentidos de um ano inteiro transcorrido
e há um ano atrás, sequer fez sentido
simplesmente brotou
sou lento
devagar
lerdo
nem percebo
a percepção é como um processo ainda manual
nenhuma tecnologia me foi implantada
sou ainda como o doce de leite mineiro, que apura no fogo por horas
ou talvez o queijo, que amarga longos dias
sob as moscas
embolados nas folhas de bananeira
tudo em mim corre como quem flana pela cidade
durante a madrugada
sentindo o cheiro do orvalho
ouvindo ao longe um samba que de tão triste lhe soa felicidade!
vou vagando por mim mesmo
e quando abro o caderno
depois de décadas
será eu quem escrevi?
depois de um tempo, descubro...
o que me era sentido agora se concretiza
penso e formulo
como quem pinta um painel
primeiro o fundo
depois a frente
espera-se a secagem
e sobrepõem-se cores e mais cores
demoro pra colorir
demoro pra entender
demoro pra decodificar
eu ainda uso códigos comigo
mas não percebo
desligado
ou ligado demais
começo
e nada termino!
não tento entender-me
simplesmente vou levando
e o surpreender-se com o compreender-se
mesmo que décadas posteriores
ainda é, pra mim, envolver-me!
Um comentário:
somos novos eus a cada segundo e é por isso que nos foi dado o dom do esquecimento — mesmo algumas memórias sendo assim tão necessárias. mas, como já descobrimos, há um lugar para elas nas palavras.
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