quinta-feira, 11 de novembro de 2010

sêca em mim




amanhã completaríamos dois anos, se estivessemos juntos.
me permita a arrogância de dizer que já sabia como seriam percorrer meses após minha partida
partida consentida.
mas não imaginava tamanha dor que lateja em peito meu agora
tá tudo aqui dentro ainda
era tão óbvio, mas eu imaginei que seria diferente
tamanha traição!
pela sensação de traição que deixaste em meu peito entreaberto
desde então estou desabitado, em hiatus
vazio


uma luz fraca ainda insiste em iluminar os vultos do passado
e faz sombra em paredes minhas
teu refúgio cavernoso ainda é iluminado
anseio a hora de que a escuridão chegue
já sinto sua aproximação
dolorosa sensação de viver sem ti

eu morei em seus olhos,
parecera que há anos procurava abrigo
mas fui expulso, tive que consentir minha saída
vaguei sozinho em busca de teto,
e era guiado pelos fios de teu cabelo
que fiz corda
estava escuro

são tantos arrependimentos
tão desesperadores
ainda ardo feito floresta seca
não houve mais chuva
água nenhuma
choro nenhum caiu do céu

muito de mim se eternizou naquele instante congelado
tarde no parque
em que teu retrato eu fiz
era essa imagem que eu gostaria de levar pra sempre comigo
e muito embora por vingança eu tenha abandonado em casa vossa
ainda relembro,
(e dentro de mim mais kilômetros quadrados queimam a cada reviver
que o cheiro da tua pele me traz)
assim, sem explicação me invade

não posso te extirpar de mim
não consigo
tenho de admitir
poupo-me deste porquê
já não procuro resposta alguma
triste descompasso
que sinto então em peito meu
assemelha-se tanto ao nosso fim
há tanto tempo anunciado!

só não vejo mais vida além-ti
mas não me trouxesses tudo
mas me invadistes,
feito onda que alcança canoa parada na areia
e a leva mar adentro
e dentro de mim, como há de haver outra vida?

apago a luz
a espera aflita,
finjo que pode-se morrer
e que com a morte tudo se acaba
quem sabe,
tudo aceso, queimando em mim
sem cessar jamais
as labaredas rasgam minhas terras
desde então improdutivas

invado-me
em desespero
tentativa inútil
de salvar ao menos um punhado
para que algum defeito
deste jardim que sou eu
ali floresça
e feneça.

*
Âmbar - Adriana Calcanhotto
"tá tudo aceso em mim
tá tudo assim, tão claro!
tá tudo brilhando em mim
tudo ligado,
como se eu fosse um morro iluminado
por um âmbar, elétrico
que vazasse nos prédios e banhasse a lagoa
até são conrado
e ganhasse as canoas,
aqui do outro lado.
tudo plugado
tudo me ardendo
tá tudo assim queimando em mim
como salva de fogos
desde que sim eu vim morar nos seus olhos"


*

2 comentários:

Camila Nakamura disse...

Difícil fazer morrer aquilo que por muito tempo foi o nosso motivo pra viver...

Camila S. disse...

A dor da ausência que se faz presente. A memória como algoz. Um filme que se repete diante da mente, o que foi misturado com o que poderia ser...